domingo, 30 de dezembro de 2018

O MEC, UM DISCURSO E O ANO NOVO

A última postagem de 2018 bem podia ser um desejo de Boas Festas, ou de um Feliz 2019, mas...
Tive conhecimento hoje de uma notícia publicada em 13/12/2018 no G1, sob o título "MEC propõe prova como a da OAB para professores atuarem no ensino básico" (leia aqui na íntegra).
Como bem colocou uma colega de magistério, já existe um mecanismo de avaliação: chama-se CONCURSO! Isso mesmo! Aquele exame que anda tão "esquecido" pelos nossos governantes. Ainda segundo ela: "Nosso país, na área da educação, não precisa de cobrança, precisa de recurso, precisa de respeito, de reconhecimento."
Partilho de sua indignação! O tempo todo o discurso da elite busca convencer a população de que nós, professoras e professores, não sabemos o que estamos fazendo em sala de aula. Felizmente, temos os estudantes como testemunhas. Eles e elas sabem o que fazemos e, de muitas formas, dão mostras desse reconhecimento. Foi pensando nisso que escrevi o meu discurso de paraninfo, proferido na última sexta-feira (28/12).
Gostaria, portanto, de deixá-lo aqui, desejando entrar no Ano Novo com outro tipo de mensagem, algo que contemple o que foi meu 2018 e partilhe o que espero não só de meus estudantes, mas de todas e de todos à minha volta em 2019. Boa leitura e... Vamos à luta!!!
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Queridas jovens, queridos jovens, peço a vocês, razões desta solenidade, licença para dizer, ainda, algumas palavrinhas. Espero não seja algo do tipo “última aula”. Alguns de nós, professoras e professores, temos esse costume de querer transformar qualquer momento em uma oportunidade de aprendizado. Mas... Chega, né!?
Falo especialmente por minha experiência com o noturno. Nunca vi jovens tão ansiosos pelo fim de uma etapa. Algo preocupante e incompreensível para nós, adultos que olhamos com saudosismo para o que chamávamos de colegial. Vai aí, claro, um certo distanciamento. O tempo passa... Temos o costume de enaltecer os tempos idos e criticar ferozmente o momento presente. Mas falo em comparação com as turmas anteriores. Vejo um crescente desejo de sair logo da escola.
Vivemos, obviamente, um processo contínuo de aceleração. Tudo é muito conectado, muito online. Pensemos no videogame. Os jogos exigem respostas rápidas, do tipo “atire primeiro, pergunte depois”. O computador vai propondo missões, aumentando o grau de dificuldade, jorrando problemas para resolvermos. E nós? Nós não vivemos, apenas reagimos, sobrevivemos.
Sem perceber, somos treinadas e treinados diariamente para realizar tarefas. Cadê de parar e refletir? Não dá tempo! Há um inimigo logo ali! Tantos tiros, tantos pontos. A tela mostra, implacável e instantaneamente, a nossa performance. E o pior: o resultado nunca é satisfatório. Estamos sempre sob pressão. E assim jogamos o que deveria ser apenas um entretenimento como se disso dependessem nossas vidas.
Talvez por isso cada geração queira mais rapidamente o fim das missões, digo, das etapas. E esse resultado, digo, essas notas que não saem logo? Posso dizer, aqui, caros formandos, o que se dizia em sala de aula sobre os professores que não divulgavam as notas logo depois da prova? O nível de ansiedade é absurdo! Antes tínhamos estudantes que, no auge daquela explicação tri complexa, erguiam a mão para romper o silêncio e dizer essas sábias palavras: “Posso ir ao banheiro?” Hoje, a pergunta que mais se ouve é: “Que aula a gente tem depois?” Ou pior: “O que nós tem depois?”
Jovens, por favor... Vivam o presente! Pode não ser maravilhoso... Vocês mesmos são testemunhas do que estamos vivendo. Há décadas que o ensino vem sendo sucateado, que não só os professores, mas a escola como um todo vem sendo desvalorizada. Aliás, vai aqui o meu muito obrigado a vocês! Quantas vezes foram compreensivos e ajudaram a escola a atravessar tantas turbulências. Eu mesmo presenciei estudante brigando nas redes sociais e na porta da escola para defender os professores e a luta por uma educação de qualidade. Meu desejo é que tenham aprendido com isso o quanto é importante lutar não só pelo próprio umbigo, mas pelo bem de todas e de todos.
O que fizemos (ou, pelo menos, gostaríamos de ter feito) foi dar instrumentos para vocês navegarem. A física, para calcular a velocidade, o tempo e o espaço de suas realizações. A biologia, para testar a resistência do seu organismo. A química, para pensar todas as combinações possíveis e saudáveis para que tenham energia. A matemática, para calcular as probabilidades. A história, para que certos erros não se repitam. A geografia, para saberem onde estão pisando. A filosofia e a sociologia, para que pensem; não reajam apenas. A educação física, para explorarem os limites de seus corpos. As linguagens, enfim, para que se comuniquem. A arte e, em especial, a literaturaesse meu xodó –, para que a imaginação seja sua bússola nessa nova caminhada.
Vocês estão prontas, vocês estão prontos! Não se percam! Sejam felizes e, mais uma vez: Vivam o presente! Estejam com os pés fincados no chão da realidade. Olhem o mundo à sua volta. Vocês estão livres da escola, mas não da vida. Há um futuro imenso pela frente. Pode ser grandioso, ou apenas uma sucessão de tempos. Isso depende, em grande parte, de vocês. Se não entenderem o momento atual, se não buscarem respostas, não haverá futuro com que sonhar. Avante, linda juventude do CAIC Madezatti (nome da escola)!

domingo, 9 de dezembro de 2018

NÃO DESCANSAREMOS ATÉ ENCONTRAR A FELICIDADE


A pastoral da Juventude nacional da ICAR está lançando uma nova campanha. Desta vez, o movimento é de enfrentamento aos ciclos de violência contra a mulher. Aqui no Rio Grande do Sul houve um encontro em junho deste ano. O lema, inspirado em um versículo bíblico, foi: Não descansaremos até encontrar a felicidade.
A frase original é de Noemi, sogra de Rute. O texto bíblico é mais ou menos assim: Minha filha, não hei de buscar-te um lugar de repouso, para que sejas feliz? (Rt 3,1). Há uma ligação especial entre essas duas mulheres. Noemi é uma retirante. Fugindo da fome, ela e o marido Elimelec (ou Elimeleque) saem de sua terra, Belém de Judá, com seus dois filhos, Maalon (ou Malom) e Quelion (ou Quiliom), rumo a Moab (ou Moabe). Estes, por sua vez, desposam duas moabitas, Orfa e Rute. Acontece que os homens dessa história morrem todos, deixando as três mulheres viúvas, duas delas muito precocemente. Ciente disso, Noemi despede as duas, pois pretende voltar a Belém e deseja que ambas reconstruam suas vidas junto a seu povo. Depois de muito choro, Orfa aceita a proposta, mas Rute responde corajosamente: “Onde for sua morada, será também a minha. O teu povo será o meu povo e o teu Deus, o meu Deus.” (Rt 1,16). É essa firmeza que transforma a sogra em mãe e protetora. Juntas, elas têm um plano para prover sua segurança, isto é, um lugar de repouso. Numa expressão de nossos dias, “ter (um lugar) onde caírem mortas”.
Que plano é este? Veremos adiante! Antes, porém... Como bem sabemos, Rute é bisavó de Davi (Rt 4,17). Na genealogia de Jesus, segundo Mt 1,1-17, cinco mulheres merecem destaque: ela, Tamar, Raab (ou Raabe), a esposa de Urias (Betsabeia ou Bate-Seba) e Maria. O curioso é que as genealogias eram um modo de identificar a pureza da linhagem patriarcal dos filhos (homens) de Israel. Por que, então, citar essas cinco mulheres? E mais... Cinco pecadoras?
Pecadoras, sim! Pelo menos, na ótica patriarcal. Senão, vejamos: Tamar foi para a esquina fazer ponto e, nisso, aplicou o famoso “golpe da barriga” em seu sogro Judá (Gn 38,15-19); Raab era prostituta (Js 2,1; 6,17.25); Betsabeia, casada com Urias (2Sm 11,3), general – isto é, homem de confiança – de Davi, deu a este dois filhos (o primeiro, morto ainda bebê [2Sm 12,16-18a]; o segundo, Salomão [2Sm 12,24]). Quanto a Maria... É um pouco mais complicado de afirmar, mas... esqueçamo-nos, por instantes, de que há uma tradição piedosa de mais de dois mil anos por trás de sua história. Como soaria a vocês, hoje, a gravidez de uma adolescente por obra do Espírito Santo? Para José não foi muito diferente. Tanto que ele quis abandoná-la (Mt 1,18-19). Não fosse um anjo...
Todas essas mulheres, ou tinham motivos nobres para o que fizeram, ou foram vítimas das circunstâncias. Observem, por exemplo, o que diz 2Sm 11,4: Então, enviou Davi mensageiros que a trouxessem; ela (Betsabeia) veio, e ele se deitou com ela. Tendo-se ela purificado da sua imundícia, voltou para sua casa. Aulinha básica de português: quando o verbo está na voz ativa, quem pratica a ação é o sujeito. Em ela veio, e ele se deitou com ela não diz que Betsabeia busca o ato sexual, que é intenção dela ter relações com Davi. Quem domina a cena é o rei. A ela cabe apenas limpar-se, após a consumação, “de sua imundícia”. Ou seja: o rei quis, mas quem ficou impura? No mundo governado pelos homens é assim: o regente manda, a súdita obedece (e leva a culpa).
É muito importante ter isso em mente porque é do que se trata o capítulo 3 do livro de Rute. A história se parece com a de Tamar. Esta enganou o sogro porque primeiramente este a tapeou, não fazendo seus filhos cumprirem a lei do levirato (que obrigava o cunhado a casar-se com a viúva de seu irmão e gerar filhos que pertenceriam à genealogia deste – Dt 25,5-10). Também Rute era viúva, mas não tinha cunhado, pois ambos os irmãos haviam morrido (Rt 1,3-5). Não ter herdeiros era sinal de maldição entre os homens. Por sorte, havia um parente, uma pessoa importante da família de Elimelec. Este homem era Booz (ou Boaz – Rt 2,1). E aí entra em ação o plano das duas mulheres desamparadas. A lei do levirato era extensiva aos parentes mais próximos, caso não houvesse um irmão para assumir o compromisso de dar uma linhagem ao falecido. Assim como Tamar enganou o sogro Judá, fazendo-o acreditar que ela era uma prostituta, Rute teve que manipular os acontecimentos. Embriagou Booz e deitou-se com ele, que naquele momento pensava apenas estar desfrutando dos prazeres concedidos por uma linda estrangeira (Rt 3,1-8). Quando soube, porém, que se deitara com a viúva de um membro de seu clã, tentou passar a responsabilidade a outro. Este recusou, para não prejudicar seus herdeiros (Rt 4,6). Booz não teve outra alternativa, então, a não ser assumir as consequências por seu ato (Rt 4,9-10).
Na ótica machista, Tamar e Rute aplicaram um golpe. Se é verdade que os fins não justificam os meios, por outro lado bem disse o filósofo Thoreau que, diante de governos tiranos e leis injustas, só nos resta a desobediência civil. Se hoje juízes mancomunados com o poder distorcem a letra, as mulheres empobrecidas da Bíblia não ficam esperando a justiça (nem a humana, nem a divina) atuar “naturalmente”. Se Jesus disse para sermos sábios como as serpentes (isto é, os escribas – Mt 10,16), é com inteligência que elas combatem o mal e lutam por seus direitos, assumindo o protagonismo de suas vidas e forçando os acontecimentos a desembocarem em sua libertação. Isso, por si só, já é motivo mais do que suficiente para que estejam na genealogia de Jesus.
O presente momento é de repensar nossa caminhada. Que frutos colhemos atualmente em nosso processo de resistência? Qual o papel das mulheres nessa luta? Respeitamos seus espaços e lutamos, com elas, pela valorização, conquista e/ou manutenção de seus direitos? Que direitos são estes?
Precisamos ouvi-las, empaticamente. Mateus escolhe cinco mulheres em situações emblemáticas para nos lembrar disso. É nosso dever, portanto, admitir no mínimo que, se elas dizem estar sendo oprimidas, estão, de fato, sendo oprimidas. Não é vitimização dizerem que fulano, por mais respeitável que seja nos círculos mais progressistas, libertários (como deveriam ser respeitáveis Judá e Booz, no seu tempo), teve uma atitude machista com elas. É muito importante, também, o resgate da memória, mostrar que a história não é feita somente de homens. E mais: que elas estiveram presentes nos momentos cruciais (como ao pé da cruz, por exemplo). Foi isso o que Mateus fez; é isso que devemos fazer. Não descansemos, enfim, enquanto não conquistarmos, para todos e todas, a felicidade.

domingo, 25 de novembro de 2018

MAXIPIRULITO, ULTRAVIOLETA!


Se tem uma coisa que precisa mudar (talkey!), é trabalhar nas escolas a literatura contemporânea por último. Esta semana foi cheia de emoções e debates interessantíssimos sobre a música de Chico Buarque e outras composições da época da ditadura militar. Definitivamente, a juventude tem sede de saber sobre seu passado, pelo menos o recente, aquele que se lhe aproxima mais.
Fugindo [pero no mucho] das canções tradicionais (Apesar de Você, Cálice, Geni e o Zepelim...), trabalhei os musicais “infantis”. Os trabalhos selecionados foram Ciranda da Bailarina (1983) e Piruetas (1981), do Chico; e O Circo, de Sidney Miller (1967).
De cara, as turmas perceberam, pelas datas, que as letras poderiam conter “mensagens subliminares”. Mas não faziam uma ideia exata do que descobririam. Grande foi sua surpresa ao fazer o exercício de interpretação dos textos.
Comecei pela Bailarina. Essa pessoa, sem defeitos, parece também não ter virtudes. Afinal, a música é composta por uma série de negativas e nenhuma afirmação sobre a protagonista.
E não tem coceira
Verruga nem frieira
Nem falta de maneira
Ela não tem
[...]
Nem unha encardida
Nem dente com comida
Nem casca de ferida
Ela não tem
Só para realçar a importância dessa ausência de caracteres, notem a diferença em relação à Geni (de Geni e o Zepelim - 1978), um travesti coberto de defeitos, mas que é quem, no fim das contas, salva o dia.
Mas, de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
[...]
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão
Vai com ele, vai, Geni!
Vai com ele, vai, Geni!
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni!
Nossa “heroína”, ao contrário, não salva ninguém. Não comete erros, tampouco acertos. Seus passos são controlados, ensaiados, metódicos talvez, decorados com certeza. Não faz nada, absolutamente nada além do que manda a coreografia, ou seja, sempre dança conforme a música.
Em minha pesquisa, nada encontrei que confirmasse o que estou prestes a dizer (o que não surpreende, dado o aspecto apocalíptico das canções da época). Então avisei os estudantes que tratassem como uma suposição apenas (alerta que também faço a você) e comecei: Há quem afirme que bailarina pode ter sido um código, nos tempos da ditadura, para se referir ao dedo-duro, aquela pessoa que, para salvar a própria pele, entregava toda a rapaziada (tomando uns tapas ou não).
É um tema um tanto controverso. Como falei, faltam informações. O próprio Chico nada fala sobre isso. Todavia, que não se trata de uma simples música infantil, atesta-o a própria letra.
Reparando bem, todo mundo tem pentelho
Só a bailarina que não tem
Chico provavelmente sabia que que esse detalhe “íntimo” traria consequências. Era praticamente um recado: “Olha só, pessoal! Quando virem um trabalho meu censurado, prestem bem atenção na letra.” E que bailarina é um código pode-se deduzir de sua recorrência nas canções de protesto, como a de Sidney Miller (O Circo - 1967):
Fala o fole da sanfona, fala a flauta pequenina,
Que o melhor vai vir agora, que desponta a bailarina.
Que o seu corpo é de senhora, que seu rosto é de menina.
Quem chorava já não chora, quem cantava desafina,
Porque a dança só termina quando a noite for embora.
Tendo os olhos treinados, pode-se perceber aqui a relação entre a bailarina e a tortura. De fato, enquanto eu escrevia esse texto, minha revisora preferida (minha esposa, historiadora) fez outras pesquisas e encontrou o seguinte:
“Adolescentes internados no Centro Socioeducativo (CSE) em Boa Vista [RR] sofrem, cotidianamente, torturas como medida disciplinar dentro da unidade. É o que aponta um relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) apresentado nesta terça-feira (16) por Fernanda Giviez, perita do órgão.
De acordo com a perita, os internos chegam a passar 12 horas algemados em grades com as mãos para cima e nas pontas dos pés. Esta é uma prática de tortura conhecida como ‘bailarina’.
[...]
Aqui é utilizada a ‘bailarina’, que é uma prática de tortura utilizada durante a ditadura civil-militar no Brasil.
(Para ler na íntegra, clique aqui)
Voltando à música do Sidney Miller, importa observar que a imagem do circo está intimamente relacionada às mais terríveis práticas desumanas da ditadura. Caetano e Gil, por exemplo, batizaram o primeiro álbum da Tropicália com o singelo nome Panis Et Circensis (1968). Essa – a velha máxima romana – era a política dos militares: pão e circo. Na voz dos jovens da MPB, o entretenimento popular virou código para a tortura. Saber disso dá outro significado à letra da canção:
Vai, vai, vai começar a brincadeira.
Tem charanga tocando a noite inteira.
Vem, vem, vem ver o circo de verdade.
Tem, tem, tem picadeiro e qualidade.
Bem me lembro o trapezista, que mortal era seu salto,
Balançando lá no alto parecia de brinquedo.
Mas fazia tanto medo que o Zezinho do Trombone,
De renome consagrado, esquecia o próprio nome
E abraçava o microfone pra tocar o seu dobrado.
[...]
Vai, vai, vai terminar a brincadeira.
Que a charanga tocou a noite inteira.
Morre o circo, renasce na lembrança.
Foi-se embora e eu ainda era criança.
O mesmo acontecendo com outras músicas, de outros compositores, com a mesma temática. Vejamos outro exemplo, Piruetas de Chico Buarque (1981):
Dez mil cambalhotas,
cem mil cambalhotas,
Bravo! Bravo!
Maxicambalhotas,
extracambalhotas,
Bravo! Bravo!
Salta além da estratosfera
e caia onde cair,
Que a galera morre de rir!
Ai, minhas costelas!
Já tô vendo estrelas!
Bravo! Bravo!
Ai, minha cachola!
Não tô bom da bola!
Bravo! Bravo!
Lona... nuvens...
Tomba no hospital!
Uma pirueta, uma cabriola,
Uma cambalhota,
não tô bom da bola!
E o pessoal delira...
Maxipirulito, ultravioleta,
Bravo! Bravo!
Uma educanda, depois disso, virou para mim e disse, brincando (ou não), que estraguei sua infância. Juro que não era minha intenção, mas... Feitas as devidas considerações, revimos as letras das músicas (convite que faço a você também, deixando logo abaixo o link para ouvi-las) e deixei que cada um, cada uma terminasse de analisá-las e tirasse suas próprias conclusões.
Obs.: E aí? O que achou? A notícia vinculada a este texto é um fato isolado, ou devemos nos preocupar com a possível atualidade deste tema?



domingo, 18 de novembro de 2018

O FRUTO DO VOSSO VENTRE


E se? E se Jesus fosse mulher? Dizem que Deus – perfeito que é – não pode ser limitado a nenhum conceito, dimensão ou categoria (como gênero, por exemplo). Todavia, mesmo a visão mais amorosa do sagrado ainda é um Abba, paizinho.
Você sabia que um dos nomes de Deus, Shadday (Gn 17,1; 28,3; etc.), pode ter vindo da palavra hebraica Shad, “útero”? E que o Espírito de Deus, que pairava sobre as águas (Gn 1,1), era uma entidade feminina: a Ruah? Toda representação feminina do divino foi “esquecida” ou apagada intencionalmente (Shadday, por exemplo, foi traduzido por Todo-Poderoso).
Mas isso mudaria se Jesus fosse mulher? Olhando para o modo como os discípulos trataram os relatos de mulheres que experimentaram a ressurreição, suspeito de que a Nazarena não teria nem sido ouvida. Em Lucas, por exemplo, diziam os discípulos de Emaús: “Bem é verdade que as mulheres nos deram um susto. Foram ao túmulo e não encontraram o corpo. Alguns dos nossos foram e encontraram tudo como elas haviam dito. Mas ninguém viu Jesus.” (Lc 24,22-24)
Ah, mas isso era com a Madalena. Os evangelhos são praticamente unânimes em dizer que foi ela a primeira a fazer a experiência do Cristo ressuscitado. Ora, é senso comum dizer que ela era adúltera, pecadora, prostituta, endemoninhada. Em um outro momento, podemos desmitificar a imagem dessa mulher, que foi prostituída ao longo do tempo (leia, por exemplo, Jo 8 e perceba que não se diz o nome da adúltera; logo, não deve ser Madalena). Mas agora vou propor outro exercício. Pensemos em outra Maria, a mãe de Jesus. Um dia ela chegou para José e disse que ia ser mãe, e o pai seria o Espírito Santo. Tranquilo, né!? Sussa... Mas José intentou rejeitá-la por isso (Mt 1,18-19). Precisou de um ser dotado de autoridade, isto é, de um anjo (entidade assexuada, assim como Deus; no entanto, ambos são designados por substantivos masculinos) para dissuadi-lo dessa ideia (Mt 1,20.24).
Admitamos: O fato é que, se Yeoshuá fosse mulher, suas palavras não teriam sido sequer levadas em consideração, nem ontem, nem hoje. Quantas pessoas devotas de Maria a veneram por sua célebre frase: “[Deus] depôs os poderosos de seus tronos e os humildes exaltou”? (Lc 1,52) Não é a tônica mariana crer na santa como intercessora apenas, como aquela cuja função seria – única e exclusivamente – facilitar o acesso junto a seu filho?
Para enfatizar o rebaixamento de Cristo à condição humana, Paulo o chama de nascido de uma mulher (Gl 4,4). Essa expressão é usada em outros textos bíblicos e parece ser pejorativa (cf. Jó 14,1; 15,14; Lc 7,28). Entretanto, convém destacar os dois cânticos de Lc 1: o de Maria (vv. 46-56) e o do Zacarias (vv. 67-79). Enquanto o menino (isto é, o projeto) que nasce das elites (seu pai é sacerdote) é, no máximo, um sinal (o que aponta para o Messias), o que nasce de uma menina pobre subverte as estruturas (“cumulou de bens os famintos e despediu os ricos de mãos vazias”). Para além da oposição ricos x pobres, tracemos outro paralelo: Existe, sim, uma via de salvação para quem acredita na lógica do Templo, mas somente o rompimento com o sistema patriarcal gera a verdadeira mudança.
Se pensarmos na recente disputa pelo poder, veremos muita gente de esquerda – eu mesmo, durante um bom tempo – sentindo-se derrotada pelo resultado das urnas. Ora, nossa derrota já começou na escolha da solução para os nossos problemas. O patriarca Bolsonaro venceu porque o patriarca Lula não pôde concorrer. O sistema que aí está não permite uma verdadeira revolução. O que mudou, efetivamente, nos 13 anos do PT no poder? O povo podia consumir mais. Importante benefício para a população, mas que em nada mudou a cultura exploratória do meio ambiente e depredatória de recursos naturais e finitos. A proposta, de fato, alimentou e vestiu muito mais gente do que nos governos anteriores, especialmente os pobres, mas nada tinha de sustentável, ecológica e economicamente, a longo prazo.
O que acabo de dizer está longe de ser um discurso conformista, ou uma rendição ao novo governo. Nada de torcer para que dê certo um projeto que não esconde de ninguém suas intenções elitistas, excludentes, homofóbicas, misóginas, racistas... É inegável que o prejuízo será infinitamente maior com a ascensão de um homem cujo discurso desperta nas pessoas o que elas têm de pior. Antes, o que quero discutir é a estratégia de resistência. Queríamos a eleição do (patriarca) Ciro ou Haddad por acreditar numa maior abertura para debater as necessidades do povo. Isso não podemos perder de vista! O sistema é injusto por si só, independente de quem assuma o poder, homem ou mulher. Como promoveremos a verdadeira paz (Jo 14,27), como alcançaremos a terra sem males, onde “corre leite e mel” (Ex 3,8), se continuamos a acreditar no sistema baseado no macho salvador da pátria?
Talvez seja impossível dizer agora o que fazer. Mas é possível perceber o que NÃO fazer. O papel da resistência não é, de forma alguma, submeter-se ao sistema. Ele é o problema. Seus princípios são o problema. Sua lógica funciona da mesma forma, independente da posição política de quem ocupa o cargo mais alto. Basta lembrarmos do Lula dizendo que das tais alianças (com praticamente toda a nata do patriarcado brasileiro) dependia a governabilidade do país (e o final dessa história conhecemos muito bem!). A derrota foi dura, doída, sim, mas pode significar um renascer, a assunção de um projeto de vida, centrado no amor, algo que definitivamente o patriarcalismo não pode nos dar.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

LEVANTEM-SE E COMAM


Buenas... Conforme eu havia prometido, eis a segunda parte de uma análise do cenário pós-eleitoral que iniciei em meu post anterior (perdeu? leia aqui!). O olhar, naquele momento, tinha um viés mais artístico (musical e literário, por assim dizer). Agora, de acordo com o combinado, segue um olhar mais teológico sobre o assunto.
Recapitulando, eu havia dito que a eleição do Voldemort me deixara com medo. Na verdade, trata-se de uma mistura de sentimentos: pavor, derrota, impotência... Isso me manteve paralisado por um tempo, mas logo percebi que não é o fim do mundo, que nada de novo vai acontecer se ficarmos quietos, esperando os ventos mudarem.
Lembrei, então, de Elias. Ele viveu no tempo de Acab, rei de Israel [874 a 853 a.C.], cuja idolatria levou o povo à fome e à miséria (1Rs 17,1.7; 18,1-2). Após uma verdadeira epopeia no monte Carmelo (cf. 1Rs 18,20-46), em que o projeto de morte do monarca parecia ter sido definitivamente derrotado, entra em cena a rainha Jezabel e resolve endurecer o cerco contra o profeta de Javé. Jurado de morte, ele se retira para o deserto e esconde-se debaixo de uma árvore, onde pede para morrer e, depois disso, “deita e dorme” (1Rs 19,1-5a).
Impressiona a semelhança, se pensarmos em Acab como o eleito, e Jezabel representar o juiz de Curitiba. Lula não foi para o deserto (autoexílio em países como o Uruguai, que à época abriram as portas para o ex-presidente) e deu no que deu. A fuga de Elias foi providencial.
Mas Javé não o queria dormindo debaixo do junípero. Era preciso que a retirada fosse (ou se tornasse) estratégica. Por isso, um anjo o acorda e diz: “Levanta-te e come!” (v. 5b). Como ele não entendesse bem o recado, o mensageiro repetiu: “Levanta-te e come, pois do contrário o caminho te será longo demais!” (v. 7).
Ficar parado só alimenta o medo. É preciso levantar, sair do ponto de inércia, colocar-se em movimento, ou nada mudará.
Elias é convocado a ir para o monte Horeb (v. 8). O que tem esse lugar de especial? Ele representa o ponto alto de outra caminhada, que não durou 40 dias e 40 noites (como a de Elias), mas 40 anos: a libertação do povo hebreu. Foi no Sinai (= Horeb; cf. Ex 19,1-20,21; Dt 4,10-11) que Moisés recebeu as leis para a organização de uma nova sociedade, totalmente livre do poder opressor do Egito.
É preciso voltar à origem, ao primeiro amor. Eis a questão, não só para o PT, mas para os movimentos sociais. Não esquecer por que existimos. Por outro lado, é preciso entender também os tempos, fazer a correta leitura do cenário. A Moisés, Javé falou pelo trovão (Ex 19,19), com fogo, relâmpago e tremores de terra (Ex 16.18). O povo tinha se libertado, vivia um tempo de autonomia, caminhava perdido no deserto, mas sem o opressor por perto. Elias tinha a Polícia Federal, isto é, o Exército de Jezabel em seu encalço. Deus passou por ele. Entretanto, não estava no furacão, nem no terremoto, nem no fogo; sua voz era uma brisa suave (1Rs 19,11-12).
A noite está começando. É tarde... Um novo dia virá, porém. Agora é hora de se recolher. Dormir será sonhar, e como diria Raul Seixas:
Sonho que se sonha só
é só um sonho que se sonha só.
Mas sonho que se sonha junto é realidade.”
Talvez por isso algumas pessoas encarem sonhar como o momento em que a gente finalmente se desperta. Parafraseando, ainda, o roqueiro baiano:
Justamente acordei
No dia em que a terra parou.”
Volto, portanto, ao fim de meu texto anterior: “É hora de sarar as feridas, o que implica buscar apoio nas amizades, nas parcerias, nas redes.” A hora é de nos reorganizarmos, de nos reinventarmos. É hora de sonhar!
Obs.: O texto completo (partes I e II) pode ser lido no site no CEBI (clique aqui). O título ficou um pouquinho diferente do original (meu post anterior), mas a essência permanece.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

BALADAS PARA ESTES NOVOS(?) TEMPOS


Que dias, senhoras e senhores! Que dias... Parafraseando o Ira!, banda paulistana de rock, estes serão “Dias de Luta”.
Mas devo confessar... Minha primeira reação, findo o pleito presidencial, foi de desesperança e desejo de me exilar no mais profundo silêncio e ostracismo. Eu tive medo. Muito medo! Principalmente após o primeiro pronunciamento do eleito, ou melhor (seguindo a analogia de meu texto anterior com a saga do menino Harry Potter [leia aqui], o primeiro passo para vencer o inimigo é dizendo seu nome): Principalmente após o primeiro pronunciamento de Lord Voldemort.
Nada mais condizente com o feriado de finados do que essa sensação terrível...
Tenho filhas para criar, para ver terminar de crescer, tenho planos com minha esposa, tenho sonhos ainda por realizar... Nada disso se concretizará se:
1)      Eu continuar me confessando socialista;
2)      Ele cumprir com sua palavra (ou ameaça?) de varrer os “extremismos” de esquerda.
Portanto, decidi me calar. Nem para a sala dos professores eu desci essa semana, na hora do recreio. Não queria ouvir falar nada sobre o assunto. Muito menos, olhar para a face de “colegas” eleitores (e o pior: eleitoras) dele. Mas aí...
Voltando àquela música da banda paulistana... Ela começa assim:
“Só depois de muito tempo,
fui entender aquele homem.
Eu queria ouvir muito,
mas ele me disse pouco...”
Até aí, nada demais! Porém, uma colega me pediu para conversar com seu filho, que por acaso é meu educando. Ele não queria mais frequentar as aulas de um determinado professor porque este estaria fazendo campanha aberta para o eleito, digo, o Voldemort, lançando mão inclusive de notícias falsas, como por exemplo a distribuição do kit gay...
(Buenas... se você ainda acredita nisso, clique aqui)
Enfim... Não poderia simplesmente dizer para meu pupilo que aquele educador estava errado. Ou melhor... Nada poderia comentar sobre aquele “colega”, sob pena de ser antiético. Então quis suscitar naquele jovem algo que o instigasse, que o fizesse querer ir às aulas, pois deixar de frequentá-las seria caminho certo para a reprovação.
— Você precisa lutar pelo seu espaço. Como estudante, a escola é o seu lugar. Se abrir mão disso, estará dando força às propostas excludentes do coiso.
Os olhos do guri brilharam:
— Entendi, sôr! Se eu desistir, é sinal que ele ganhou!
E lá se foi ele, bem determinado. Senti-me “aquele homem” da canção. Ao mesmo tempo, eu era o eu-lírico. Eu era aquele menino. Se o sinal bateu, ou alguém falou mais alguma coisa, não sei. Ouvia apenas uma música, que tocava em minha cabeça:
“Busca logo o teu espaço
e firma o pé na caminhada.
Pisa firme neste chão
e toma parte na jornada.”
E o som ficava ainda mais “alto” no refrão:
“Pois aqui tu tens o teu lugar!
Pois aqui tu tens o teu lugar!”
Sem querer, o conselho que dei serviu muito mais para mim do que para o estudante. O que eu lhe disse foi muito pouco, mas, conforme segue o rock “Dias de Luta”:
“Quando se sabe ouvir,
Não precisam muitas palavras.”
É isso mesmo! Pessoas amigas falavam, no dia do resultado, para não desanimar. Mas a tristeza era tanta que eu nada ouvia. Com o jovem, porém, eu deveria parecer sincero. Acontece que eu não sei como parecer sem ser. Então disse-lhe algo que eu mesmo precisava ouvir.
Precisamos lutar pelo nosso espaço. O Brasil é o lugar de todas as brasileiras e de todos os brasileiros. Nesses tempos em que a máxima “ame-o ou deixe-o” parece ressuscitar, é preciso dizer: “Eu o amo sim e, por isso, quero-o livre!”
Vejo muitas de minhas educandas – e educandos – frequentando igrejas que apoiaram a candidatura vencedora. Como educador, sinto que preciso disputar espaço com elas. Mas sozinho não dá! É por essas e outras que, para mim, o hino “O Teu Lugar”, cântico luterano (ouça aqui), parece o mais adequado para este momento, inclusive pelos seguintes versos:
“Vem sarar tuas feridas
e buscar mais liberdade.
Descansar as tuas cargas
sobre a nossa amizade.”
De fato, é hora de sarar as feridas, o que implica buscar apoio nas amizades, nas parcerias, nas redes. Precisamos nos reagrupar, cuidar uns dos outros, descansar e, passo seguinte, repensar a caminhada.
Isso me faz lembrar alguns textos bíblicos, mas esse texto já ficou comprido, de modo que continuarei essa reflexão (pelo seu viés mais teológico) no próximo post. Até lá!

sábado, 27 de outubro de 2018

ÚLTIMA CHAMADA: #ELENÃO #DEMOCRACIASIM


Amanhã teremos a eleição mais emblemática desse período pós-Diretas Já! Na melhor das hipóteses, será apenas um capítulo ruim da nossa história. Na pior, o fim da nossa jovem democracia.
Curiosamente, são os críticos às ditaduras socialistas os que ameaçam a liberdade do nosso povo. Querem de todas as formas limpar a sujeira do país. Mas sujeira, para eles, é ser pobre, negro, homossexual, mulher, menor, bandidinho de porta de cadeia...
Você já reparou que o Bolsonaro não fala nada contra estelionatários, sonegadores (já disse, aliás, que sonega tudo o que pode), a banda podre da polícia, os privilégios de deputados e juízes (aliás, utiliza-se deles para "comer gente"), o crime organizado (PCC e Esquadrão da Morte, por exemplo), isenção fiscal de igrejas e grandes empresas, etc.!? Você já reparou que essa é também a posição de quem o apoia? Por que o ódio dessa gente é contra as minorias? Já parou pra pensar?
Tentando puxar pela memória, não me recordo de nenhum momento em que as pessoas defendiam essas posições assim, tão abertamente. Sim, havia piadinhas de cunho racista, machista, homofóbico, misógino antes. Havia bullying! Sempre houve, nas reuniões de família, na escola, na TV (quem aí lembra dos Trapalhões?)... Mas ninguém dizia que negros, pobres, nordestinos, gays, imigrantes, mulheres, jovens, enfim... Que as minorias deveriam se adequar, ou seriam torturadas, estupradas, exterminadas. Ninguém dizia isso abertamente. Nem o Didi!
Quem leu ou assistiu à saga do menino Harry Potter vai lembrar que, quando pressentiram que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado voltaria, tanto os dementadores quanto outras criaturas malignas e, principalmente, os antigos vassalos (escravos seria o termo, mas muitos deles seguiam Voldemort por gosto) começaram a sair das sombras e a revelar sua verdadeira face. E então atacavam trouxas (pessoas sem magia), sangues-ruins (meio bruxos, meio normais) e amigos de trouxas e de sangues-ruins. Impossível não fazer a correlação. Incompreensível é curtir essa história e votar em quem é uma ameaça a negros, mestiços, LGBTQ e tudo mais que for diferente.
O que estamos fazendo com nossa humanidade? E o mais curioso é que tudo isso é em nome de um “deus acima de todos”. Todos quem? E de que deus estamos falando?
Na Bíblia, há vários retratos de Deus. O do êxodo não caminha acima, mas COM o seu povo (Ex 13,21). O terrível está do lado dos pobres (Salmo 76,8-10; Deuteronômio 10,17-18). O dos exércitos é frequentemente mencionado no contexto da monarquia em Israel, mas com o intuito de guerrear contra os povos inimigos, não com os pobres da terra. Somente o da retribuição (muito semelhante ao da prosperidade, anunciado nesses nossos dias), vinculado às leis do templo em Jerusalém, atribui à graça divina o sucesso financeiro, bem como a bênção de ter nascido varão e homem livre. Quem estivesse fora desse grupo seria um amaldiçoado ou amaldiçoada. Vale lembrar que, no pós-exílio, a religião se tornou altamente estratificada: só os sacerdotes podiam se aproximar do Santo, onde ficava o altar; os homens ficavam numa espécie de antessala, ao lado do Santo; e as mulheres no átrio, ou seja, lá fora, junto com as crianças e os forasteiros. É justamente esta teologia que Jesus combate quando opõe o deus altíssimo (inalcançável, portanto) ao ABBA (paizinho).
Aliás, um dos títulos do nazareno é Messias, motivo que levou o pretenso candidato a salvador da pátria a comparar-se com ele. Mas, segundo tradição do Primeiro Testamento (Isaías 7,14; Mateus 1,23), o nome do filho de Maria não é “Deus sobre todos”, mas Emanuel, que quer dizer DEUS CONOSCO.
O que mais posso dizer? Veja as propostas de Haddad. Em que momento o seu partido fala contra os pobres? Pelo contrário, quem viveu a realidade da década de 90 (século passado) sabe como vivia o povo nordestino e como é sua realidade hoje. Não sabe quais são as suas propostas? Que tal ler o seu programa? Ler e comparar com o programa de seu adversário. A maioria dos debates é vazio justamente por falta dessa leitura.
Mas vá lá que você não queira ler. Então tenha um pouquinho de discernimento, pelo menos. Não vivemos o melhor dos mundos. Houve muita corrupção no PT? Sim, e os culpados estão pagando. Talvez não todos... Mas nem de longe é o partido com mais envolvidos em corrupção. Além disso, há provas contra Aécio, Temer, Jucá e tantos outros, que não são petistas e estão livres. Bolsonaro, que viveu 11 anos no PP de Maluf, confessou ter recebido propina da JBS e “esquentado” o dinheiro numa transação com o partido. Além disso, ele sempre disse que era Eduardo Cunha...
Amanhã é um dia especial. Dia de votar consciente, e não por paixões tolas. O próprio criador do termo “petralha”, o jornalista Reinaldo Azevedo, vai votar no Haddad. Segundo ele, é a única esperança de manutenção da democracia. Fora isso, a lista de intelectuais (nacionais e estrangeiros) e celebridades que apoia e/ou votará no 13 é extensa: Noam Chomsky, Adolfo Esquivel, Letícia Sabatella, Ivone Gebara, Lília Schwarcz, Marilena Chauí, Arnaldo Antunes, Augusto de Campos, Maria Rita Kehl, Márcia Tiburi, Leonardo Boff, Frei Betto, Chico Buarque, Gilberto Gil, Joaquim Barbosa, Walter Salles, Milton Hatoum... Do outro lado: Alexandre Frota, Lobão e... Já entenderam, né!? Pense... Encerro esta reflexão com uma frase do ator Pedro Cardoso: “Vou votar no PT para, no dia seguinte, poder fazer oposição ao PT [...] porque o fascismo não tolera opositores.”

Obs.: Prometi a mim mesmo que deixaria passar as eleições para reativar este blog, mas não deu pra aguentar. Sei que minha opinião, a essa altura do campeonato, não ajudará mais em nada, não vira o jogo. Mas “não podemos calar o que vimos e ouvimos” (At 4,20). Não enquanto ainda podemos! Dias virão em que, “calada a boca, restará o peito”. Vamos agir agora para não chegar ao ponto em que, “calado o peito, reste a cuca...”