domingo, 7 de abril de 2013

PÁSCOA: PACTO PELA VIDA


Não é de hoje que a Tradição, servindo à ideologia dominante, busca relativizar a dimensão sociopolítica do Evangelho. Nesta época de Páscoa, em especial, onde a liturgia atinge o seu ápice, beiram a heresia os esforços para negar o teor subversivo da mensagem de Cristo. As celebrações são pietistas, e as relações, intimistas. O individualismo e a falta de compromisso ditam as regras. Mas será esta a celebração que Deus quer?

A Páscoa, do hebraico Pessach (= passagem), é uma festa “emprestada” da cultura de alguns dos grupos fundadores das tribos de Israel. Sua origem pode estar entre os pastores semi-nômades, que imolavam um cordeiro e usavam o sangue para marcar os pórticos de entrada e saída do antigo acampamento, acreditando assim aprisionarem os maus espíritos para que não os seguissem na busca por novos pastos. Ou pode ter nascido entre os camponeses cananeus, que também possuíam um rito de passagem. Na festa da colheita, trocavam a farinha velha por uma nova. O fermento, porém, era um pedaço da antiga. Antes de “contaminar” a massa nova, comiam-se os pães ázimos (não levedados), celebrando-se assim a renovação da vida. Tempos depois, recontando a história da fuga dos hebreus, os autores bíblicos adicionaram e fundiram as duas tradições, indicando que a saga do Êxodo era a grande passagem da escravidão para a liberdade. Diante disso, não é à toa que os evangelhos apontem essa data para a ressurreição de Cristo. Assim, querem dizer que a Morte não tem a palavra definitiva, mas é só a passagem para uma nova vida, ou melhor, para a Vida, sempre nova e eterna. Seja como for, independente de cultura ou religião, a ideia é de movimento, ação, mudança.

Este é justamente o problema da Tradição: mudar vai contra o seu princípio fundamental, que é o de manter tudo do jeito como está. Mudanças são perigosas, principalmente para quem está no poder. E o que é melhor para tornar inofensivo um movimento revolucionário do que distorcê-lo? Por exemplo, dentre os ensinamentos do “lava-pés”, escolhe-se exaltar a humildade de Cristo. Ora, eis aí um termo ambíguo. É possível ser humilde e continuar explorando os outros. Tem muito empresário que anda de sandália, mas é rico às custas do trabalho de seus operários (que não usam sandálias por opção, mas pela necessidade). E o que dizer do tradicionalíssimo “Deus morreu por ti, no teu lugar”? Quem não se consumir pela culpa (por exemplo, canta-se na via-sacra: “A morrer crucificado, teu Jesus é condenado, por teus crimes[?], pecador...”) pode chegar ao outro extremo, que é o de não se comprometer com nada. Afinal, o que resta fazer quando o próprio Deus já expiou definitivamente nossos pecados numa cruz? Seja como for, as coisas ficam sempre no campo do individualismo e da subjetividade, que é a melhor maneira de impedir qualquer alteração da realidade.

Como romper com este ciclo, isto é, como realizar a passagem de uma vida alienada para um pacto de compromisso com a Vida? Penso que o primeiro passo é buscar entender os gestos de Jesus. A atitude de lavar os pés, segundo Ele mesmo explicou (Jo 13,12-17), é sinal de que o cristão deve estar a serviço. É possível ser humilde e individualista ao mesmo tempo, mas não dá pra servir a si mesmo. Um outro se faz necessário nessa relação, do qual devemos cuidar. Sim, mas... e aquela “cláusula” que nos impede de agir (= Jesus morreu por nós...)? Paulo diz que: “livres do pecado, vos tornastes servos da JUSTIÇA(Rm 6,18). A carta de Pedro vai no mesmo sentido: “Sobre o madeiro, (Jesus) levou os nossos pecados em seu próprio corpo, a fim de que, mortos para os nossos pecados, vivêssemos para a JUSTIÇA (1Pd 2,24). Vários outros textos nos remetem ao compromisso de, redimidos pela cruz, buscarmos o direito dos pobres (órfãos, viúvas, doentes...). Segundo o profeta Isaías (cf. Is 1,17; 58,6-8), isto é buscar a Justiça. Só mesmo uma leitura de conveniência para ignorar essa importante premissa, complementar à velha máxima de que Cristo morreu em nosso lugar. Portanto, resumindo, nossa missão é servir à próxima, ao próximo, buscando a Justiça e o Direito. Esse, no fim das contas, é o real significado da Páscoa.

Por isso, quando formos celebrar a festa maior das cristãs e dos cristãos, devemos saber em que implica, necessariamente, desejar uma boa Páscoa. Convido você a tornar clara sua mensagem. Se pactuar com o que vai escrito por estas linhas, externe às pessoas o que realmente deseja quando lhes diz “Feliz Páscoa”. A vizinha pode entender isso como uma saudação cordial, aquilo que se deve dizer nessas ocasiões, algo sem outro sentido além de cumprir um rito social. Seu sobrinho pode achar que você deseja vê-lo ganhar muito chocolate. A pessoa amada pode estar pensando que você quer celebrar essa data ao lado dela por muitos anos. Bom, “Feliz Páscoa” pode ser isso também. Mas não pode deixar de ser passagem. Um tempo de mudança, de conversão. Um tempo de repensar nossas relações e o que temos feito uns pelos outros. Só assim nossas saudações, trocas de presentes e festas com direito a macarronada na casa da “nonna” farão sentido.