domingo, 22 de janeiro de 2012

Pedagogia de Jesus e a Campanha contra a Violência

Durante o Seminário Estadual da Campanha contra a violência e extermínio de jovens, ocorrido nos dias 03 e 04 de dezembro de 2011, fui convidado a fazer a oração do domingo de manhã. O texto escolhido foi Mc 5,1-20. A seguir, um resumo da reflexão.

Esta passagem fala da cura do geraseno endemoninhado. Diferente dos outros, seu caso de possessão chama a atenção pela quantidade de demônios: uma Legião. A força dela é tão grande que nenhuma corrente pode segurar o possesso.

Numa leitura superficial, podemos comparar essa situação ao sentimento de impotência do grupo diante das dificuldades e incertezas que surgiram após o primeiro impulso da campanha. Vamos continuar apenas conscientizando as pessoas de que afirmar o extermínio de jovens não é exagero, é fato, ou podemos ir além? Que passos podemos dar? Queremos mudar o mundo? Podemos mudá-lo? Parecemos acorrentados, mas Jesus mostra que há uma solução...

E que solução é essa? Bom, talvez seja hora de aprofundar o texto. E aí partimos para uma segunda interpretação, mais contextualizada.

Legião era o nome do exército romano. É como se, hoje, numa proporção global, aquele coletivo de demônios se chamasse Pentágono (centro de inteligência do exército estadunidense). Ou, então, trazendo mais para perto de nossas jovens, nossos jovens e da campanha, poderíamos denominá-lo Forças “Pacificadoras” do Estado (a saber: Polícia/Brigada Militar). Expulsando-os, não acabamos com o problema. Precisamos saber que essas forças estão a serviço de alguém. Logo, combatê-las é, na verdade, lutar contra todo um sistema opressor. E isso é possível? Continuemos olhando para o texto...

Interessante observar que Gerasa é “do outro lado do mar”, isto é, um povo vizinho (mais especificamente, ao norte da Galileia). Contrariando o que nos ensina a Tradição, a palavra “hebreus” não indica raça, mas condição social. Para os egípcios, hebreus ou hapirus eram aquela gentinha do outro lado do mar... Ser hapiru significava não ter pátria, não ter parada, viver à margem da sociedade. Alguns séculos se passaram, e os judeus, forjando o mito da raça pura, esqueceram suas origens. Como resultado interno, criaram um monte de leis de pureza e impureza. Externamente, consideraram os “do outro lado do mar” um povinho, gente desqualificada, idólatras, nações que não seguem o verdadeiro Deus Javé. Indo ao encontro dos gerasenos, os “da outra margem”, Jesus “refresca”, em Israel, a memória de que, antes de ser o “povo eleito”, este teria sido, lá nas origens, também um grupo marginalizado. Diante de uma ameaça comum (isto é, Roma), essa lembrança tinha o intuito de levar os judeus a esquecerem suas regras de pureza e se unirem aos povos vizinhos.

Aqui, um parêntese! Estávamos pensando quais passos poderiam dar as PJs em sua campanha contra a violência e extermínio de jovens. Ora, por não se cansarem de afirmar que a juventude (no singular, mas indicando todos os grupos juvenis) quer viver, parece óbvio que elas precisam unir-se a outras denominações, outros segmentos. Afinal, outras juventudes também estão sendo exterminadas e, provavelmente, não querem morrer. No Rio Grande do Sul, foram acolhidos os movimentos Juventude LibRe e Levante Popular da Juventude. Entretanto, podemos galgar outros espaços. Recentemente, houve um curso sobre juventudes e ecumenismo, onde poderíamos contribuir a partir das reflexões da campanha. Participamos? E para este Seminário? O movimento ecumênico é muito forte no Estado. Será que outras entidades, religiosas e civis, foram suficientemente sensibilizadas a estarem presentes? O convite ao CEBI, neste sentido, foi um importante passo. Mas será que ainda podemos fazer mais?

Voltemos à libertação do Geraseno. O medo aparentemente vence. Mesmo vendo o que foi feito pelo possesso, o povo da região expulsa Jesus. Conheciam, de antemão, do que era capaz a Legião. Tropas mais poderosas viriam manter a “paz”. Enquanto os pequenos vivessem isolados, em seus mundinhos particulares, Roma triunfaria. E foi o que aconteceu por séculos a fio, pois nem os judeus nem seus vizinhos estavam dispostos a unir forças.

Entretanto, a aparente derrota não foi o fim da resistência. Ao rapaz liberto, que queria subir na barca de Jesus (isto é, refugiar-se na contemplação pura e simples do sagrado), a ordem foi clara. Fica em tua terra, caminha com teu povo e conta aí o que te aconteceu. Espalha a notícia de que, pela união dos pequenos, é possível vencer as forças que oprimem o povo. No fim das contas, a incursão do Nazareno não havia sido um fracasso total porque um “filho da terra” havia compreendido sua missão e abraçado a causa. Era necessário, “apenas”, que ele espalhasse a “Boa Nova”. O Cristo sabia que as coisas só mudam, de fato, quando povo evangeliza povo, jovem evangeliza jovem.

Concluído o raciocínio, seguimos para a sala de reuniões cantando uma música que não lembro agora. Mas bem que poderia ter sido: “Se caminhar é preciso, caminharemos unidos...

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Aproveitando o 10º ENPJ


Tenho recebido muitos pedidos para estar em “sintonia” com as/os jovens do 10º ENPJ (estar em oração, na verdade, com tudo o que significa o ato de orar, mas “sintonia” deve ser um nome menos “surrado”). Devo dizer que isso se faz mesmo necessário, pois um encontro nacional requer mesmo muita sintonia (uso o termo agora como sinônimo de unidade).

PARÊNTESE: Pra você, que está chegando agora, não importa de que denominação seja, o ENPJ é o Encontro Nacional da Pastoral da Juventude da ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana). Fique atenta/o! De alguma forma, isto servirá pra você também!

Recentemente, presenciei uma discussão entre pejoteiras e pejoteiros. Os do norte e nordeste acusando os do sul e sudeste de se sentirem superiores, e estes acusando aqueles de se fazerem de vítimas (ou, para utilizar um termo atual: de “coitadismo”).

PARÊNTESE II: É importante dizer isso agora porque o clima é de festa, e essas desavenças tendem a ser temporariamente esquecidas. Mas, em algum momento, a discussão vai aparecer de novo, e pode ser que alguém se lembre de ter lido sobre isso em algum lugar.

Além disso, vejo muita resistência de alguns grupos ao que não tem a logo da PJ. Obviamente, não é em todos os lugares. Há que se destacar, por exemplo, a participação ativa na REJU (nos lugares onde ela tem funcionado). Mas sinto que falta o espírito ecumênico, principalmente em espaços onde a PJ não é maioria, ou não teve a iniciativa da proposta. E não estou falando só do Setor Juventude. Temos proposto, aqui no sul, várias atividades ecumênicas no campo da Leitura Popular da Bíblia. Entretanto, as pejoteiras e pejoteiros sempre estão envolvidos em campanhas, atividades e eventos internos. O curioso é que o projeto “Bíblia e Juventudes” poderia abrir espaço para fazer ideias como a da campanha contra a violência e extermínio de jovens ganharem eco em outras denominações e, quem sabe, atingirem as ruas. Mas talvez as lideranças da PJ ainda não tenham percebido a questão por esse viés...

Mas enfim... Falando sobre o ENPJ, sua abertura oficial deu-se com a missa do último domingo (08/01/2012). Na ocasião, a ICAR celebrou a liturgia dos “Reis” Magos, popularmente chamada “Folia de Reis”. Herança folclórica dos portugueses, essa festa mexe com todo o povo (inclusive eu: veja). Culturalmente, é uma manifestação muito rica. Porém, como as Escrituras nem sempre foram acessíveis à maior parte do povo, este acabou contando a história à sua maneira, de forma que ficou muito difícil separar o enredo original da lenda.

A bem da verdade, o texto bíblico facilita esses “acréscimos”, pois também é uma ficção. Presente apenas em Mateus, a história toda é um midraxe (ou “midrash”, como queiram), isto é, uma releitura da tradição judaica, mais especificamente da narrativa do Êxodo. É o que se percebe pela semelhança entre cenas como a sentença de Herodes (Mt 2,16-18) e a do Faraó (Ex 1,15-22). Além disso, o Êxodo fala em um Deus que “desce” para socorrer o seu povo (Ex 3,7-8). O Cristo faz o mesmo, tornando-se um de nós. Por este recurso literário, Mateus nos convida a entender o messianismo de Jesus na ótica do Javé que ouve o clamor dos pobres.

A figura dos Magos é emblemática. Denominados “Reis” pela tradição (título não encontrado na Bíblia), esses homens estão mais para sábios. De fato, estão mais para astrólogos, pois conseguem identificar num astro (a Estrela do Oriente, que representa a Estrela de Davi) o sinal de que havia nascido o “rei dos judeus” (Mt 2,2). Muito do que se diz sobre eles, inclusive suas idades e nomes, é fruto da tradição. O texto faz questão apenas de dizer que esses eram Magos do Oriente (Mt 2,1).

Mateus fala para judeus convertidos ao cristianismo. Por isso, defende a “descendência de Davi”, tentando demonstrar como o seu “herdeiro” vem, não exatamente para restaurar o seu reino, mas inaugurar um novo, celestial. Nesse novo Reino há espaço para todos, inclusive os árabes (região de onde provavelmente vieram os magos, a julgar pelos presentes: ouro, incenso e mirra). Estes são, segundo a Bíblia, herdeiros de Ismael, filho de Abraão (Gn 16). Portanto, têm a mesma origem de Israel. Entretanto, são inimigos mortais. A visita dos sábios-astrólogos é promessa de um mundo sem guerras nem divisões, onde todos são irmãs e irmãos: uma verdadeira Terra sem males.

Reforça este pensamento o fato de que os detentores do projeto de morte, Herodes e o Império romano, não participaram da festa. Herodes, quando soube do nascimento, quis matar o menino (Mt 2,16). E Roma não mandou nenhum representante. Sequer os soldados que vigiavam a região perceberam o que estava acontecendo. Porém, os magos (também pertencentes a povos dominados pelo Império) e os pastores (Lc 2,8-20), isto é, os pobres da terra souberam interpretar os sinais e acolher a Boa Nova.

Por isso faz todo sentido estar em sintonia com as/os jovens do 10º ENPJ. Por outro lado, tomara que, neste encontro, a PJ reforce o compromisso de se unir a outros grupos que lutam por uma causa comum: a Vida. Devemos nos preparar para o momento em que todas/os seremos um (Jo 17,11). Nesse tempo, não importará se somos do sul ou do norte, Ocidente ou Oriente, católicas ou evangélicos, cristãs, budistas, muçulmanos ou ateus... Nenhum grupo ou religião poderá se denominar porta-voz exclusivo da divindade. Antes, o macroecumenismo (diálogo entre os povos, independente de religião) é que será a verdadeira antecipação do Reino. A Bíblia não diz que os magos se converteram ao cristianismo. Aliás, nem Jesus morreu cristão. Portanto, não confundamos unidade com uniformidade.

E você? Calma, não precisa se justificar... Apenas pare e pense: Qual foi o último evento ecumênico do qual participou? Lembrou??? E viva a diversidade!!!

O Poder da Notícia II

Mais uma do jornal de São Leopoldo/RS...
(e na mesma semana)


E aí? Você concorda?

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O Poder da Notícia

Sou só eu, ou mais alguém vai ficar indignado com isso?

Veja a seguinte matéria, veiculada esta semana num jornal de São Leopoldo/RS:


O que ela te diz?

(Obs.: Os números apontam que as vítimas têm entre 18 e 35 anos; ou seja, estamos falando de violência juvenil.)

sábado, 7 de janeiro de 2012

Vocação: Juventude


Este post também poderia se chamar: "Recordar é Viver". Segue o primeiro dos textos sobre Bíblia e Juventudes que pretendo migrar do "osperegrinos" pra cá.

VOCAÇÃO: JUVENTUDE

Creio que, ao sermos perguntados sobre o que é vocação, alguém dirá que é uma palavra proveniente do latim “vocare” e significa “chamado”. Bom... Isso é o básico que aprendemos na catequese e/ou nas escolinhas dominicais, não é!?! Mas, se nos perguntarem: “chamadas/os a quê?”; aí vai embolar o meio-de-campo.

O mais provável é alguém dizer que somos chamados a ser engenheiros, médicas, psicólogas, arquitetos... Claro, empregos bons de preferência, porque em teste vocacional de faculdade nunca aparece balconista, servente de pedreiro, ou gari.

Mas vocação está mesmo atrelada a sucesso profissional? Viver a vocação é uma realização pessoal? Não é de um chamado que estamos falando? Quando alguém nos chama, é para que seja satisfeita a nossa necessidade, ou a de outrem?

Folheando a Bíblia, temos várias vocações. Vamos olhar uma mais de perto: a vocação de Moisés. Ela está em Ex 2,23-4,17, mas não precisamos ler tudo de início. Para começar, basta irmos até o cap. 3v. 10. O Deus que aí encontramos vê a miséria de um povo, ouve o seu clamor, desce, age... Ele está presente, de forma atuante, junto desse povo. Mas de que forma Ele atua? Deus diz que vai libertar o povo, mas manda Moisés ir ao Faraó. Ora, quem vai libertar o povo? É Deus ou Moisés?

O modo de Deus atender o clamor do povo é acionando Moisés. A vocação, o chamado de Moisés é ir ao centro da opressão (Egito) e dizer ao opressor (Faraó) que deixe o povo partir. Tarefa fácil??? Sabemos que não... Mas o que convém destacar aqui é que...

A vocação de Moisés é a resposta de Deus ao clamor de um povo.

Ah... E Moisés se vê realizado profissionalmente com isso??? Conte quantas vezes ele nega a missão, lendo de onde paramos até o cap. 4v. 17. Cinco vezes? Pois é... e pelos motivos mais covardes e mesquinhos possíveis.

Moisés sabia a situação do povo. Ele já havia fugido do Egito porque não suportava ver o povo naquela situação e sabia que, se ficasse ali, acabaria se envolvendo (Ex 2,11-15). Javé não fala de uma situação que Moisés não conhece. Moisés só queria fazer de conta que não existia... Mas, em vez de se consumir, a sarça ardia cada vez mais em seu peito.

Olhando para hoje, a realidade juvenil... Quais são os clamores das/os jovens? Quem são o Egito e o Faraó da juventude? E o nosso Moisés? Será ele um justiceiro solitário?

Olhando Ex 3,16; 4,13, veremos Javé orientando Moisés a procurar Aarão e os anciãos. Javé ordenou que Moisés procurasse ajuda, não fosse sozinho. Moisés formou um grupo, formou comunidade.

Ser Juventude, no fim das contas, é isso: Viver em comunidades (as “tribos”), de forma consciente, responsável, articulada, organizada (Moisés fará isso, Aarão aquilo...). E tudo isso para atender ao clamor de um povo. Aliás, povo do qual, a princípio, essa mesma juventude faz parte.