Eu não tenho a menor inspiração
para escrever algo sobre o Natal e o Reveillon. Não é que eu não goste de
comemorar as festas de fim de ano... Mas o que muda efetivamente?
É tempo de repensar a vida? Rever
conceitos? Fazer memória do nascimento de Jesus? Mas essa não deve ser uma
atitude constante? Ou o resto do ano é tempo de sermos alienadas e alienados?
O que há de nobre em ser generosa,
generoso nesta época? Só porque assim "exige" o espírito natalino?
Pra que fazer tantos planos que são
engavetados assim que entra o dia 02 de janeiro? Por que esperar que as pessoas
pratiquem valores cultivados somente em uma semana do ano?
Digo a vocês o que penso dessas
datas! Em um mundo ideal, elas seriam tempo de comemorar o amor universal, a
paz mundial, a erradicação da miséria e da fome, dia de comemorar a vida, a
saúde e a felicidade.
Mas como não vivemos em um mundo
ideal, Natal e Ano Novo deveriam ser dias de (re)afirmar a luta por um mundo
melhor, esta sim uma exigência do Evangelho.
Nunca é demais lembrar que Jesus
veio ao mundo para trazer-nos de volta ao Plano Divino, citado em Jo 10,10:
"Que todas/os tenham vida, e vida em abundância".
A ideia geral é festejar, alegrar-se,
esquecer-se dos problemas, isto é, da vida real. Mas deveria ser ao contrário.
Deveria ser dia de rezar pelas/os que sofrem e comprometer-se com a causa
delas/es.
Que neste Natal e Ano Novo, em vez
de revisitar o passado, meramente a contemplá-lo, possamos olhar para as
conquistas do presente e para as possibilidades do futuro. E, em vez de
simplesmente comemorar o nascimento de Jesus, perguntemo-nos: "Pra que
Jesus nasceu?" Este sim é o sentido do Natal.
É com esta reflexão em mente que desejo a todas/os: BOAS FESTAS!!!
O texto abaixo foi escrito,
originalmente, para oblogdo meu amigo Rogério de Oliveira. Seu
site tem sido de grande valia para a PJ (Pastoral da Juventude – ICAR). Amigo
Rogério, estou (re)disponibilizando este material porque, a meu ver, dialoga
com a sua recente postagem:“PJ não reza”. Falamos em PJ porque é o chão comum
a mim e ao Rogério, mas tenho certeza de que grupos de base de outras
denominações poderão aproveitar estas reflexões. Vamos a elas?
LER PRA QUÊ?
De tudo o que passarei a discorrer agora, guarde principalmente isto:
ler a Bíblia é comprometer-se. Não é que as outras coisas não tenham
importância, mas tenho pressa de chegar ao que realmente interessa. Além disso,
é como diz aquela canção sobre o profeta: “Tenho que gritar! Ai de mim, se não
o faço!”
Irrita-me o falso zelo pela Bíblia. Dizem por aí que ela é a Palavra de
Deus, que devemos reverenciá-la, que nela se encerra toda a Verdade etc. Mas o
que vejo em nossos grupos é a sua leitura, muitas vezes, servindo apenas para
iniciar as reuniões. Pensa-se garantir, assim, um momento de espiritualidade
para introduzir os temas que “realmente interessam”. Em vez de colocá-la no
centro das reflexões, servindo como um norte, um guia, fazem dela um “aperitivo
a ser servido antes do prato principal”. Ignora-se, com isso, seu verdadeiro
papel: iluminar as situações do dia-a-dia, especialmente aquelas onde a vida do
povo encontra-se oprimida.
Ler a Bíblia deve transformar-nos. Caso contrário, não estamos lendo a
Palavra de Deus. Claro, para que isso aconteça, muito depende da nossa abertura
ao texto. Se nossa atitude não é de escuta, nada assimilaremos do que está
diante de nossos olhos. Mas vejamos o que diz o profeta Isaías: “A palavra que
sai de minha boca não volta para mim sem efeito, sem ter realizado o que eu
quero e sem ter cumprido com sucesso a missão para a qual eu a mandei” (Is
55,11). A verdadeira Palavra de Deus incomoda, inquieta, desinstala, faz pensar
e faz agir.
Esse incômodo, esse compromisso não é com qualquer causa. Segundo Jesus:
“nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino do Céu” (Mt
7,21a). É comum que, para abafar o chamado de Javé, alguns trechos das
Escrituras sejam relativizados. Assim acontece com afirmações categóricas de
Jesus como: “Vá, venda tudo o que tem, dê o dinheiro aos pobres, depois venha e
me siga” (Mt 19,21). Alguns dizem que, aqui, Jesus refere-se às riqueza e
pobreza espirituais. Dentro dessa lógica, qual a explicação para “dê o dinheiro
aos pobres”? Alguém me disse, certa feita: “Se te chamam para falar a um grupo
de banqueiros, vai... é tua missão! Se te chamam uma segunda vez... repense a
missão!” O Cristo diz de outra forma: “Onde estiver teu tesouro, aí estará o
teu coração” (Mt 6,21). O Reino é promessa de vida abundante para todas e para
todos (Jo 10,10). Logo, o compromisso do Evangelho é com aquelas e aqueles que
ainda não têm vida em plenitude, ou seja, os pobres.
Nos tempos bíblicos, os pobres eram representados por alguns grupos:
leprosos, viúvas, órfãos, estrangeiros etc. A maior parte dos profetas diz que
o louvor agradável a Javé é defender a causa desses grupos (veja, por ex., Is
1,10-11.17). Em Naim, Jesus vê uma viúva ficar “órfã” do filho. Naqueles
tempos, ser mulher não era muito fácil. Sem um marido, então... Agora, imaginem
uma viúva sem filhos homens para ampará-la. Compadecido pela situação, Jesus
restitui a vida ao rapaz (Lc 7,11-17). Só isso já é suficiente para percebermos
que nosso Deus toma partido, isto é, mesmo amando a todas e a todos,
indiscriminadamente, Ele fica do lado dos que mais sofrem, como que a
denunciar: “Olha, pessoal... Essas irmãs e irmãos aqui precisam de um pouquinho
mais de dignidade.”
Os fatos são evidentes. Entretanto, há grupos exímios em distorcer os
textos bíblicos. Por exemplo, em relação à Cruz! Para eles, qualquer sofrimento
é um Calvário. Com isso, alegam estar seguindo a Cristo. “Esquecem” (muito
convenientemente) os motivos que O levaram à crucifixão. Basta qualquer atrito,
seja por um cargo ou função dentro do grupo ou comunidade, seja pelo “horário
nobre” da missa (isto é, o horário onde a missa é mais frequentada), seja por
causa da organização do bingo ou quermesse paroquial, e pronto: “Esta é a minha
provação; estou sendo perseguida/o, assim como Jesus”. Alguns até batem no
peito e citam as Escrituras de cor: “Quem não toma a sua cruz e não me segue,
não é digno de mim” (Mt 10,38). Mas Jesus não morreu por um cargo na Igreja.
Ele foi assassinado! E o motivo da barbárie é muito simples: alguém não gostou
que o Messias defendesse a vida do povo.
Os pseudos-cristãos, isto é, aqueles que não se comprometem com nada nem
ninguém, a não ser consigo mesmos, estão em toda parte. Ministrei, já faz um
bom tempo, um curso de liderança. Lá pelas tantas, o grupo deveria responder a
duas perguntas: 1) “Qual a maior dificuldade do seu bairro, grupo ou
comunidade?”; 2) “Indique com gestos concretos como solucionar este problema?”.
As respostas foram as seguintes: 1) “Problema: esgoto a céu aberto”; 2) “Solução:
fazer uma tarde de louvor”. Mais recentemente, trabalhando o mesmo curso,
alguém me disse: “Não quero discutir a situação dos carroceiros; quero discutir
o meu grupo”. Fica evidente que alguns grupos usam o espaço da Igreja para
auto-promoção. Dizem ser fiéis a Jesus, mas estão preocupados única e
exclusivamente com a própria “salvação”.
O Messias também teve que enfrentar o “corpo mole” de alguns grupos para
os quais falava. Mas Ele não entrava no jogo. Sua reação era enérgica: “Não
pensem que eu vim trazer paz à terra; eu não vim trazer a paz, e sim a espada.
De fato, eu vim separar o filho de seu pai, a filha de sua mãe, a nora de sua
sogra. E os inimigos do homem serão os seus próprios familiares. Quem ama seu
pai ou mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Quem ama seu filho ou sua
filha mais do que a mim, não é digno de mim. Quem não toma a sua cruz e não me
segue, não é digno de mim. Quem procura conservar a própria vida, vai perdê-la.
E quem perde a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la” (Mt 10,34-39).
Diante disso, como afirmar-se cristão e manter-se, ainda, alheio aos problemas
à nossa volta?
O Evangelho diz: “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem” (Lc
3,11). Ele não diz “olhe primeiro se o ‘vagabundo’ merece a túnica”, nem “fique
com a melhor e dê a rasgada pra ele”, nem “dê aquela que está sobrando”. O
ensinamento é simples e radical: partilhe. Por que, então, tanta resistência em
ajudar (aliás... ajudar não: restituir a dignidade!) aos mais necessitados?
Que a Bíblia tome seu verdadeiro espaço em nossos grupos. Que nossas
ações sejam pautadas pelos ensinamentos de Jesus. Que a nossa prática seja
sempre inclusiva. E, por fim, que a partir da Bíblia busquemos incessantemente
promover/defender a vida, principalmente onde ela é mais ferida, pois é isso
que Cristo quer de nós. Amém!!!
Faz alguns dias, participei de uma celebração luterana. Isso porque fui convidado para representar o CEBI-RS no Culto de Instalação da Pra. Cleide na Paróquia da IECLB do bairro onde moro. Como eu já a conhecia dos encontros e cursos ecumênicos espalhados pelo sul do Brasil, sentia-me muito feliz de poder prestigiá-la. Porém, eu não esperava encontrar um rito tão vivo, tão aconchegante, tão participativo.
Espero que me entendam: eu não estava menosprezando a liturgia luterana; é que celebrações como essa tendem a se preocupar mais com os aspectos formais do que com a vida das pessoas. Sabem quando um Padre toma posse em uma Paróquia? Um Culto de Instalação, guardadas as devidas particularidades de cada denominação, é a mesma coisa. Aquela congregação tão singular, tão informal e, ao mesmo tempo, tão cheia de significado encheu-me de santa inveja.
Além da comunidade local, estavam presentes membros de diversas entidades ecumênicas e macro-ecumênicas (SELÉO, CECA, GDIREC e CEBI), líderes da IECLB e estudantes de Teologia da EST. As personalidades iam desde os vice-reitores da Unisinos e da EST, passando pela figura bem peculiar do Bandeira (espírita, membro do GDIREC), até o povo mais simples da comunidade (simples = sem cargos ou participação em outras instâncias). Houve um momento onde as pessoas poderiam dizer o que quisessem para a Pra. Cleide. Todos os segmentos falaram, por meio de seus representantes, de modo que todo mundo se sentiu incluído. Isso, para mim, foi muito especial e diferente de todas as solenidades que participei (aliás, participei não; presenciei).
Finalizando o rito, Cleide nos presenteou com uma reflexão sobre os Discípulos de Emaús (Lc 24,13-35). Não vou entrar em grandes reflexões sobre o texto, até porque já as fiz em outro momento, mas considero muito feliz a escolha do tema. Isso porque Jesus não caminhava lado a lado com dois discípulos quaisquer, mas um casal. Em Lc 24,18 aparece somente o nome de Cléofas. Porém, em Jo 19,25 são nomeadas as mulheres ao pé da cruz: uma delas é Maria, esposa de... adivinhem... isso mesmo! Clopas, que vem a ser o mesmo Cléofas de Lc.
E olhem que feliz coincidência – e aí está outro motivo de santa inveja para mim, que sou católico romano: quem assumiu a Paróquia da IECLB do meu bairro é uma mulher. Embora eu não conheça nenhuma Pastora Sinodal (cargo equivalente ao de Bispo), já me sinto feliz só de ver uma mulher no púlpito. Nossas denominações ainda são bem machistas, mas em algumas as mulheres têm conquistado mais espaços. Oxalá chegue o dia em que elas realmente sejam reconhecidas em condição de igualdade (e santidade?) com os homens.
Saí, por fim, realizado do culto. Que bom seria se todas as celebrações, solenes ou não, fossem assim tão humanas, tão simples e tão conectadas à vida. Glória a Deus!
Enfim, concluí o projeto de extensão do meu
Estágio de Letras pela ULBRA. A ideia era que as educandas e educandos
escrevessem um conto. Os melhores seriam selecionados para se tornarem filmes “estrelados”
pelos próprios jovens. Como o colégio que me acolheu (EMEF Olímpio Vianna
Albrecht) estava respirando os ares do projeto Leituração (promovido pela Secretaria
de Educação de São Leopoldo/RS), atividade que, visando incentivar a leitura,
faz com que algumas escolas da cidade “adotem” um autor gaúcho para ser lido e
homenageado, desenvolvemos o conto inspirados pelo livro “A Truta”, de Luís
Dill (site aqui). Em virtude do tempo de Estágio, acabou que a gurizada transformou
em filme um conto que eu mesmo escrevi. Mas creio que, ainda assim, o objetivo
principal, que era uma produção das/os jovens, foi alcançado.
Abaixo segue o vídeo...
E, mais abaixo, o conto na íntegra:
O MISTÉRIO DA TRUTA
Era
noite! Eu estava escondido num baú, um móvel antigo como tantas coisas que
guardávamos na garagem de casa. Juntávamos tanto cacareco que o carro mesmo
dormia no pátio. Naquele momento, eu era o detetive Carlinhos, tinha 10 anos e
minha missão era descobrir o que papai fazia sozinho naquele “depósito” todas
as noites.
Por
uma fresta, espiei-o sentar-se na poltrona e abrir uma pasta. Mas não era uma
pasta qualquer. Dela saía uma luz azul. Deduzi ser um laptop! O que era assim, tão sigiloso que eu, mamãe e meus irmãos
não podíamos saber? Ele ficou horas escrevendo, sorrindo, admirando, pensando,
com um fone de ouvido. Então, um barulho na rua, parecia vir do carro. Papai
correu para ver. Saí do baú, o coração palpitando, a curiosidade vencendo o
medo de descobrir o que estava acontecendo lá fora. Corri para o computador. Uma
luz estava piscando. No centro da tela, uma mensagem: “Desvende o mistério da TRUTA. Clique aqui!” E agora? Eu queria
mesmo descobrir o que meu pai tanto admirava diante daquela máquina? Cliquei
depressa, mais de medo dele voltar do que de outra coisa.
Um novo barulho, desta vez ensurdecedor. Tudo ficou escuro. Acordei em minha
cama, com 15 anos de idade.
Levantei
num sobressalto. Corri para a cozinha. Papai? Mamãe? Carol? Pedro? Ninguém em
casa... Minha mochila estava na mesa. Mamãe deixara-me um bilhete: “Volto mais tarde”. Alguém bateu na
porta: “Carlos, depressa! Estamos
atrasados!” Eu não conhecia aquela pessoa: “Desculpe, mas quem é você?” Era uma tal de Melissa. Perguntei de
onde nos conhecíamos. Ela me recriminou: “Amnésia
de novo? Por que você não toma seus remédios direitinho? Anda, pega a mochila
que hoje tem prova!”
Prova?
Melissa? 15 anos? Mas a última coisa de que me lembro é aquele baú lá na
garagem... “Ih, lá vem você de novo com
essa história? Desencana! Temos um problema maior agora: qual é mesmo a fórmula
da hipotenusa?” Hipotenusa? Seria algum monstro daqueles filmes do
Hércules? Tinha uma com cabelos de cobra... Não, aquela era a Medusa! Quem é
essa Hipoten... Ei, espere um pouco! “Ah,
Carlos, anda! Mas que coisa, estamos atrasados! Quer saber, fica aí viajando
que eu tô indo!” Não, é sério! O que tu sabe sobre a Truta? “Ah, chega! Fui, hein! Tchau!” Será que
essa Truta também é um monstro grego? Ei, me espera! Eu não queria ficar
sozinho. Essa Melissa parecia gostar de mim. Eu me sentia seguro com ela. E
nessa situação, sem saber o que estava acontecendo, eu precisava de alguma
proteção.
Hipotenusa,
cateto, isósceles, eu estava apavorado. Já estava esperando que detrás de
alguma página saltasse o Minotauro, ou um Cíclope... Por que meu irmão adorava
contar aquelas histórias de monstros pra mim? Eu nem mexia na prova, queria
ganhar tempo. Será que já havia chegado alguém em casa? Alguém que soubesse notícias
do papai? O que aconteceu depois que eu mexi no notebook dele? Melissa deve ter visto como eu estava assustado,
pois me passou a cola da prova. Mais monstros mitológicos surgiram na minha
mente. Ela bem que tentou me ajudar, mas eu realmente não sabia nada sobre
aquela matéria.
Na
saída da escola, Melissa parecia muito brava: “Tanto dia pra perder a memória e tu foi sair da casinha justo hoje?
Meu, essa foi a pior prova de toda a minha vida! Essa professora é maluca!”
Tentei prestar atenção, mas eu não aguentava mais de curiosidade. Interrompendo
suas queixas, perguntei se ela sabia o que havia acontecido com o meu pai. Ela
parou, olhou-me com ternura e tristeza. Disse que não sabia como me contar
aquilo outra vez. Mas aquilo o quê? Ela suspirou, pegou em minha mão e disse o
que eu mais temia ouvir. Ele morrera naquela noite em que me escondi no baú. Um
psicanalista explicou pra mamãe que eu sofrera um trauma muito grande, que
seria normal eu me esquecer do tempo presente e reviver aquele dia, pois eu me
sentia culpado pelo que aconteceu. De fato, se eu tivesse saído do baú antes,
se eu tivesse feito algum barulho para o pai perceber que eu estava ali. Eu
teria levado uma bronca, ele teria me levado para dentro de casa com um belo
puxão de orelha, mas estaríamos todos bem agora.
Quis
chorar, mas não conseguia derramar uma lágrima. Pelo jeito, eu já havia chorado
muito a morte dele. O desejo que dentro de mim brotava era o de descobrir o tal
mistério da Truta. Sentia que aquilo poderia solucionar o problema. Quase não
escutei Melissa me dizendo alguma coisa sobre os mortos não voltarem. Apressei
o passo, pois queria chegar logo em casa e descobrir o que acontecera com o laptop. Melissa corria, mas mal
conseguia me acompanhar. Ela dizia que eu já havia tentado aquilo milhões de
vezes. Mas que coisa! Ela estava ali para me ajudar, ou me desanimar? Eu já
estava começando a ficar bravo.
Chegando
em casa, minha irmã estava esparramada no sofá. Onde está o notebook do papai? Mamãe vendeu! Como
ela pode fazer isso comigo? Mamãe não aguentava mais ver você tendo essas
recaídas e se enfiando no quarto com essa porcaria! Melissa me puxou pelo
braço, dizendo que minha irmã estava certa. Eu já ia xingá-la quando, fazendo
um sinal, ela me puxou para fora e começou a contar que mamãe lhe mandara se
livrar do laptop, mas ela não teve
coragem e resolveu guardá-lo. Olhei novamente com simpatia para aquela (ainda
desconhecida) amiga. Fomos até sua casa. A visão daquele computador trouxe-me
de novo as lembranças daquela noite. Sentados no chão do quarto dela, abrimos e
ligamos a máquina. Novamente a tela azul, o coração praticamente saltando pela
boca. Mas que decepção... Abriu-se um plano de fundo normal, sem avisos, nem
luzes piscando, nem links para clicar.
Tentei
localizar alguma pasta ou arquivo com a palavra “truta”; nada! Melissa começou
novamente a velha ladainha. Parecia que, de fato, meu pressentimento era apenas
uma fuga da realidade, o simples desejo de que nada daquilo tivesse acontecido.
Mas não me dei por vencido: procurei no Google.
Descobri que a truta era um peixe de carne muito apreciada. Havia também a
ópera de um tal de Schubert. A música
falava de um peixe-truta fisgado por ser curioso. Se não tivesse dado
importância à isca, não ficaria preso ao anzol. Será que era isso? Se eu não
fosse curioso, teria salvo papai? Mas foi ele que correu até a rua, ver o que
estava acontecendo. Teria feito isso mesmo que eu não estivesse lá. Como eu
poderia tê-lo avisado? Melissa me chamou a atenção para outros resultados da busca.
Havia um tal de Recanto da Truta. Perguntei se já teríamos ido lá. Ela balançou
a cabeça negativamente. Então vamos para lá agora.
Rua
dos Marinheiros, nº 112. É aqui! Entramos e fomos atendidos por uma simpática
senhora. Era um antiquário. Ela perguntou o que nós queríamos, pois era-lhe
estranho dois jovens entrarem em sua loja. De um modo muito confuso, tentei
resumir nossa história. Vendo meu embaraço, Melissa foi direto ao ponto: “O pai dele morreu e achamos que a senhora
pode nos ajudar”. A mulher ficou olhando os dois, aparentemente sem
entender o que queriam. Melissa continuou: “Achamos
que a morte do pai dele tem a ver com o mistério da Truta”. A velhota olhou
mais fixamente para mim: “Você tem os
olhos do seu pai.” Empalideci. O que essa doida está dizendo agora? “Há tempos dei um presente a ele, um quadro
chamado ‘A Truta’, em homenagem a uma peça musical de mesmo nome, composta por Schubert.”
Mas como? A senhora conhecia meu pai? “Sou
uma tia distante. Há muito procurava o filho da minha irmã. Faz 5 anos que o
encontrei. Infelizmente, uma semana depois ele morreu.” E por que a senhora
não nos procurou, não falou conosco? “Falei
com tua mãe, mas ela reagiu friamente. Acho que ela não acreditou em mim...”
Fiquei envergonhado. Melissa me pegou pelo braço e fomos para a porta. Minha
tia, então, falou: “O quadro ainda deve
estar em tua casa. Quer mesmo descobrir o mistério da Truta? Olhe fixamente
para ele!” Agradeci com um aceno de cabeça e saí arrastado pelos braços.
Minha nova amiga tinha um jeito nada carinhoso, mas muito eficiente, de me
tirar de situações embaraçosas.
Chegando
em casa, mamãe já estava aflita, perguntando por mim. Calma, mãe! Fomos a
uma... “A uma sorveteria”,
apressou-se Melissa em dizer. Depois fiquei sabendo que minha mãe tinha
verdadeiros chiliques quando eu tocava no assunto da Truta. Perguntei se ela
poderia me contar novamente como papai morreu. Pacientemente, ela disse que,
naquela noite, a polícia trocou tiros com uns bandidos. Papai foi ver o que
estava acontecendo e acabou atingido por uma bala perdida. Ele ainda deu alguns
passos, mas caiu na garagem, por cima de uma velha mesa. Fora este o barulho
que eu escutara por último. Então me lembrei, nitidamente, que olhara o corpo
caído no chão. Depois disso, só conseguia me lembrar de ter acordado hoje.
Mamãe emendou: “Bom, nem preciso te dizer
que deves fazer a lição de casa e arrumar o teu quarto, né, guri!?” Estava
anoitecendo. Acompanhei Melissa até a porta. Ela pegou minha mão e disse: “Sabe que eu gostaria mesmo de voltar ao
passado”. É, por quê? “Quem sabe eu
poderia ser mais clara quanto aos meus sentimentos por você, e não teríamos nos
tornado somente amigos”. Dito isso, deu-me um beijo no rosto e foi-se
embora.
Um
calorão me subiu pelo pescoço. Fiquei um tempinho parado, sentindo a umidade do
toque dos seus lábios em minha face. Pela primeira vez, naquele dia, estava
realmente muito feliz. Mas, então, lembrei-me do quadro e corri para a garagem.
Mamãe não mexera em nada ali. Estava tudo igual àquela noite. Olhei demoradamente
para o baú e para a poltrona onde papai estivera sentado. Então comecei a
revirar tudo, todos os móveis, todas aquelas coisas antiquadas, até encontrar o
quadro escondido atrás de um rádio muito antigo. Limpei a poeira e fiquei
olhando o desenho de uma truta. Que coisa idiota, pensei. Ficar olhando essa
moldura não vai adiantar nada. Dei mais uma volta pela garagem, observando os
móveis. Bom, já fiz tanta coisa idiota hoje... não custa fazer mais uma. Voltei
a olhar fixamente o quadro. Nada. Já estava ficando com sono quando uma coisa
estranha começou a acontecer. O peixe começou a se mexer. Fiquei tonto e senti
minha cabeça girar, até que adormeci.
Acordei
dentro do baú, novamente com 10 anos. Papai estava lá, mexendo no laptop. Sem pestanejar, corri para o
colo dele, dei-lhe um abraço demorado. Então me lembrei de onde eu estava e o
que estava fazendo. Olhei para ele. Parecia assustado, mas contente em me ver.
Perguntou o que eu estava fazendo ali. Disse que queria saber o que ele estava
fazendo. Ele me mostrou. Estava no MSN
com aquela tia maluca. Então ouvimos novamente o barulho. Papai quis levantar.
Sabia que precisava impedi-lo. Então perguntei o que ele estava ouvindo no fone
de ouvido. Mesmo demonstrando preocupação em saber o que estava acontecendo na
rua, ele se sentou, deu um dos fones para mim e explicou que aquela era uma
ópera chamada “A Truta”. Ele a estava
escutando por curiosidade, porque a tia dera-lhe um quadro com o mesmo nome, e
ele queria saber o que havia de especial naquela música. Sorri pensando que,
dessa vez, a truta não morderia a isca. Então começou a piscar o aviso na tela
do computador: “Desvende o mistério da
Truta. Clique aqui.” Papai clicou. Era uma receita de um ótimo assado,
segredo de família. Aparentemente, sua tia gostava de tudo que tivesse uma
truta envolvida. Papai me levou para dentro de casa na sua garupa. Dormi muito
feliz naquela noite, achando que tudo não passara de um sonho.
No
domingo seguinte, estávamos jogando bola, eu e meu pai. Chutei a bola longe e fui
buscá-la. Do outro lado da rua, havia um caminhão de mudança. Eram os novos
vizinhos que estavam chegando. Uma menina da minha idade veio me trazer a bola.
Agradeci e perguntei o seu nome. Muito sorridente, ela me disse: “Oi, meu nome é Melissa. E o teu?”
Era uma vez, um vale encantado, conhecido por seu rio sinuoso, onde
moravam Moacir e sua filha de 15 anos, Larissa. Ele era viúvo e descendia de
uma linha de reis africanos. Ela perdeu a mãe muito cedo e se confortava ouvindo
histórias de um tempo e um continente distantes. A cor de sua pele os tornava
diferentes dos outros moradores da região, todos descendentes de alemães.
Entretanto, a inteligência e simpatia faziam de Moacir um homem muito
respeitado naquela comunidade. Tudo ia bem até que ele arrumou uma namorada,
Marli, loira e muito bonita, mas muito vaidosa.
Quando mais nova, Marli fora eleita a mais bela do vale. Agora que
estava novamente em evidência, resolveu fazer um novo concurso de beleza.
Larissa ficou muito animada, não tanto pela competição, mas pela oportunidade
de estar numa festa. Porém, como a madrasta não se dava muito bem com a
enteada, criou uma regra: somente mulheres que tivessem a cor branca poderiam
participar. A menina ficou muito triste. Mas suas amigas, inconformadas,
bolaram um plano. Inscreveram-na com o nome de Branca de Neve. Assim, ela não
poderia ser desclassificada, pois tinha a cor branca, pelo menos no nome. E lá
se foi Larissa, desfilar na passarela. Marli ficou com muita raiva, pois, no
fundo, temia ser derrotada justo pela filha de seu namorado.
E foi o que aconteceu. Branca de Neve foi aclamada a mais bonita mulher
do vale. A megera ficou vermelha de raiva e questionou os jurados: “Vocês não
estão vendo que ela é negra?” Ao que eles responderam: “O regulamento não diz
nada sobre a pele. Somente que as candidatas deveriam ter a cor branca. E é o
que ela tem no nome.” Marli não disse mais nada. Para Moacir, inventou a
desculpa de que queria preservar a menina de olhares maldosos. Porém, o que ela
desejava mesmo era matar a garota.
A inveja ia corroendo a madrasta. Passados alguns dias, ela contratou
um pistoleiro para que matasse Branca de Neve e sumisse com seu corpo. Ele
aceitou o serviço, pois não sabia que se tratava de sua amada, Larissa. Quando
descobriu, recomendou que ela fugisse e se escondesse, pois sabia que Marli não
iria desistir. Antes, porém, pegou o colar de seu pescoço, a fim de apresentar
à malvada como prova da execução do crime. A menina não tinha onde se esconder.
Ficou perambulando pela mata, até encontrar uma casa onde moravam sete irmãos.
Eles trabalhavam na roça, o dia inteirinho. Por isso, a casa vivia bagunçada.
Então resolveram acolhê-la, desde que lavasse, passasse e cozinhasse para eles.
E assim viveram por longos anos.
As coisas começaram a mudar no vale quando Moacir, que fizera de tudo
para encontrar sua filha, foi entristecendo até morrer. Única herdeira, Marli
tornou-se a mulher mais popular da região. E tornou-se também a mais rica,
aumentando sua fortuna com uma empresa de eventos. Os mais apreciados eram os
concursos de beleza. Mas ela sempre dizia que eram para escolher a segunda
mulher mais bonita das redondezas (a primeira, obviamente, era ela). Como não
havia mais negros, as pessoas foram esquecendo como era viver com o diferente.
A contínua promoção de disputas e competições tornou o povo mesquinho. Mesmo as
amigas de Larissa começaram a aceitar em seu grupo somente aquelas que se
vestiam igual a elas, ou então tivessem olhos tão clarinhos quanto os seus. O
povoado do Vale do Rio Sinuoso, tão conhecido pela acolhida, passou a não fazer
mais jus a sua fama.
Um belo dia, sentindo saudade do pai, Larissa se disfarçou de camponesa
e foi ao povoado, ver se o encontrava. Perguntou sobre o bom Moacir aos que
passavam, mas ninguém lhe deu atenção. Estranhou a frieza do povo. Então
encontrou um menino de rua e este lhe contou como tudo se transformara com o
sumiço da menina negra e a morte de seu pai. Ela soltou um grito, sendo
reconhecida pelo menino. Saiu correndo, desesperada, chorando. Nunca mais veria
seu paizinho querido. Ficou três dias sem comer e sem fazer o serviço de casa.
Os sete irmãos tentaram animá-la, mas ela não saía de seu quarto. Enquanto
isso, Marli ficou sabendo que sua enteada estava viva. E o pior... Outras
pessoas também sabiam. Era necessário tomar providências.
A malvada contratou homens acostumados com a mata para localizar
Larissa. Logo a encontraram na casa dos sete irmãos. A madrasta decidiu fazer
ela mesma o serviço. Disfarçou-se de anciã e dirigiu-se, escondida, à mata. Do
lado de fora da casa, gritou que conhecia Moacir. A menina abriu a porta mais
do que depressa. Foram conversando, Marli foi elogiando a beleza da moça,
fazendo de tudo até ganhar sua confiança. De repente, puxou um pedaço de pau e
bateu na cabeça dela, que caiu desacordada. Ouvindo passos, a vilã saiu
correndo. Eram os sete irmãos que, felizmente, voltavam mais cedo para casa.
Levou um tempo para que a garota acordasse. A madrasta voltou para casa, sem
ter certeza de ter matado a jovem. Porém, assim pensava, só o susto já deveria
ser o suficiente para mantê-la longe do vilarejo.
Mas Larissa ficou revoltada. Essa mulher tinha destruído sua vida,
matado seu pai de desgosto e transformado o vale em um lugar frio e triste.
Como sentia que não tinha mais nada a perder, resolveu acabar com isso.
Voltando à vila, soube que um concurso se aproximava. Procurou conhecer as
regras (agora era proibida a participação de mulheres negras) e bolou um plano.
Pintou sua pele de branco, ficando bem mais alva do que as próprias habitantes
da região. Mudou seu nome para Alice e se inscreveu no evento. Quando a viu na
passarela, Marli a reconheceu. Mas não podia revelar sua identidade porque
temia o escândalo. O tempo foi passando, e a vilã pensava em como se livrar do
problema. Então começou a chover. A tinta escorria da pele de Larissa. Alguém
gritou: “Vejam... É Branca de Neve!” O povo se alvoroçou, mas, antes que alguém
pudesse falar alguma coisa, a madrasta pulou em cima dela tentando sufocá-la.
Foi quando apareceram os sete irmãos, que na verdade eram sete
ex-maridos da malvada. Ela havia acabado com a vida de todos. Os mais velhos
foram reconhecendo os sete homens. Todos eles eram pessoas influentes do
passado do vale. Até então, ninguém entendera por que eles haviam sumido. Mas
as pessoas, lentamente, foram relembrando os fatos. Essa mulher havia destruído
a família e a vida de todos eles. Furioso, o povo colocou Marli para correr, e
uma guarda foi montada no vale, a fim de manter a vilã sempre longe, e também
de descobrir quem eram seus ajudantes.
E a história está prestes a terminar, mas parece que falta alguma
coisa... Ah, sim! Não tendo mais que se esconder, e linda (e rica) como era,
Larissa foi procurada por vários pretendentes. Agora, ela possuía sete pais.
Conforme eles foram refazendo sua vida, ela foi adquirindo também novas mães
(mas todas eram muito boas). Nenhum dos rapazes, porém, chamava a atenção dela.
Até que apareceu um lindo moço, cujo olhar não lhe era estranho. Ele puxou um
saquinho de joias e mostrou-lhe algo que fez seu coração acelerar. Era o colar
que ela ganhara de herança de sua mãe, o mesmo que o pistoleiro levou como
suposta prova de sua morte. Ela, então, reconheceu o rapaz, e ele declarou seu
amor. Disse que não conseguia se desfazer do colar, que pensava nela todos os
dias, e que nunca mais havia matado alguém, ou usado uma arma, depois daquele
encontro. Então, ela pegou sua mão e sorriu. Sabia que não era branca como a
neve, mas isso não importava, porque Moacir (por uma dessas coincidências da
vida, este era também o nome do rapaz) disse-lhe que era linda como o ébano. E
aí, enfim, todas e todos viveram felizes para sempre. FIM.
Foi com muita satisfação que recebi, faz alguns dias, um convite para, em nome do CEBI (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos), participar do encontro regional de avaliação e planejamento da campanha contra a violência e extermínio de jovens. Contextualizando, é uma iniciativa nacional das PJs (Pastorais da Juventude) da ICAR (Igreja Católica Romana). No fim das contas, é o reconhecimento de um trabalho, pois tenho me empenhado muito para disseminar uma Cultura de Paz nos cursos trabalhados Rio Grande do Sul afora.
Essa campanha tem agitado a ala jovem política e socialmente engajada da Igreja. Trata-se de protagonismo legitimamente juvenil. O assassinato do Pe. Gisley, assessor nacional do Setor Juventude, alavancou-a ainda mais, fazendo com que ganhasse notoriedade dentro e fora das instâncias religiosas. Graças à propaganda alternativa (leia-se: “mídias digitais”), o seu cartaz de divulgação já apareceu até no horário nobre das novelas brasileiras. Porém, o movimento, que iniciou como uma marcha, precisa avançar ainda mais. Por isso, vejo com bons olhos esses momentos de parada e reflexão.
Como real interessado em hermenêuticas juvenis, chamo especial atenção para o referencial bíblico. De fato, é um texto emblemático: “O meu desejo é a vida do meu povo” (Est 7,3). Que forte! Bela frase de efeito... Visto fora de seu contexto (ou até mesmo por “meias” contextualizações) é fantástico! Ainda mais vindo da boca de uma jovem. Aparentemente, um belo exercício de protagonismo juvenil. Porém...
Estudando um pouco mais atentamente o livro de Ester, perceberemos o quanto é ilusório o poder da personagem principal. Com sua beleza, ela seduz o rei Assuero. Mas sua participação termina aí. Quem decide a estratégia, o “como fazer”, o modo e o momento certo de interceder pelo povo é seu primo, Mardoqueu. Ele é a mente pensante por trás do audacioso plano. Só não o executa por não ter tantos “dotes” quanto sua prima (sobre o parentesco das personagens, cf. Est 2,7a).
Os autores do livro, escrito à época do domínio persa (isto é, pós-Exílio na Babilônia), parecem demonstrar certa simpatia pelo império. De fato, uma parte do povo (casualmente a parcela cujos pais exilados haviam sido grandes proprietários de terra em Israel) reverenciava o rei Ciro como enviado de Javé (2Cr 36,22-23; Is 45,1.13). O Templo foi reconstruído com a condição de que se rezasse também pelo rei (Esd 6,10). Ter colocado o nome das divindades babilônias nas personagens principais (Ester vem de Ishtar; Mardoqueu, de Marduc) só corrobora com essa suspeita. É como se hoje eles se chamassem Dolar-eu e Hollywoodina.
Justiça seja feita, o texto procura demonstrar que postura se deve tomar diante de um líder tão forte e violento quanto Assuero (Xerxes I, filho e sucessor do rei Dario). O profeta Jeremias já havia dado essa dica: “Procurai a paz da cidade para onde eu vos deportei” (Jr 29,7). O livro, de fato, parece ser um “manual” para os judeus da diáspora (isto é, dispersos por outras regiões do império que não Israel). Aceita submissamente a escravidão (Est 7,4 – apenas um versículo após o referencial da campanha). Anima o povo a conviver com seus vizinhos, mas guardar a lei e os preceitos judaicos. Instiga a esperança numa reviravolta que traga novamente os tempos de glória do império israelense (Mardoqueu torna-se o segundo em comando [Est 8,1-2], de forma similar a José do Egito [Gn 41,39-40]), com direito a vingar-se dos inimigos (Est 8,10-11).
A narrativa é ótima para tempos de perseguição brutal. Mas cá entre nós... cuidado para não comprarmos o livro todo só pela capa, isto é, por um versículo. Lendo atentamente o capítulo 4, perceberemos que Ester não tinha lá muita intenção, a princípio, de salvar o seu povo. Foi preciso um “forte argumento” de seu primo Mardoqueu para que ela se mexesse. Outra coisa... a vingança não é lá uma atitude muito propícia à superação da violência. De que maneira podemos ler o novo edito do rei, dando aos judeus o mesmo direito de matar que antes fora determinado contra eles? Este é o real perigo de “pinçar” jovens na Bíblia, em vez de fazer uma leitura juvenil das Escrituras. Para justificar nossas escolhas, vemo-nos forçados a pintá-los como heróis, ou então pintar os verdadeiros heróis e heroínas como jovens.
O que podemos tirar de positivo do livro de Ester é que o império persa não era, no fim das contas, tão bom quanto se dizia. Trouxe sim a liberdade de expressão religiosa aos povos dominados. Permitiu-lhes, também, voltar à sua terra de origem. Mas tudo era apenas parte de um plano, uma nova forma de dominar. Não temos hoje também a ilusão de um tempo bom, enquanto Mariazinhas e Joõezinhos continuam tombando em berço esplêndido?
Outra coisa... o grupo de Ester e Mardoqueu organiza sua resistência infiltrando-se nas esferas do poder. Esse me parece o papel das/os jovens no CONJUVE, não!? Existem outros espaços que já estamos galgando, ou que ainda podemos conquistar? Que forças nos impedem de termos participação mais efetiva nas decisões da sociedade? Podemos dizer que exercemos, de fato, um genuíno protagonismo juvenil, ou ainda dependemos da autoridade adulta para “legitimar” nossas ideias? Essa pergunta serve também para o âmbito eclesial. Estamos, ainda, na dependência de um apoio clerical (leia-se: “de um padre”) para sermos ouvidos, ou somos respeitados “apesar” de nossa condição juvenil?
Essas são apenas algumas questões que me vêm à cabeça sem precisar recorrer a personagens jovens na Bíblia. Outras perguntas podem ser feitas (e espero que sejam). O livro de Ester não tem resposta para todas. Mas pode muito bem nos colocar a caminho. Creio que, indo por esse viés, aí sim teremos escolhido uma ótima iluminação bíblica para a nossa marcha.
Sou o 'P'ossato Jr. e, por este blog, pretendo tratar de todas as minhas 'p'aixões. O objetivo é escrever sobre tudo o que gosto e 'p'enso, indo sempre direto ao 'p'onto.
Além de 'p'ai de família, 'p'aulista e funcionário 'p'úblico, sou 'p'romotor da leitura 'p'opular juvenil (pelo CEBI) e 'p'ejoteiro. Em breve, também 'p'rofessor de Língua 'P'ortuguesa.
Quero, ainda, encontrar espaço aqui para falar de futebol (mas engana-se quem pensa que eu sou 'p'almeirense; eu sou corinthiano, viu!?).
Enfim... sendo em 'p'rosa ou 'p'oesia, eis-me aqui!