Foi
no caminho que ele nos encontrou. Éramos umas trinta e poucas pessoas – homens
e mulheres – seguindo viagem, tristes, cansados e com medo. Descíamos de
Jerusalém para Emaús, enquanto ele vinha subindo, subindo...
Vendo-nos
passar (a)batidos, ele perguntou: “Por que vocês caminham com esse olhar
perdido no horizonte?” – Nada de especial; só a neblina. Estamos indo
participar de uma escola bíblica. Quer vir conosco, forasteiro? – “Vão indo,
que eu já alcanço vocês!” E ele continuou subindo, subindo...
Juntamo-nos
ao som do violão e ao calor do chimarrão. Começamos a conversa falando sobre
migrantes. Na hora, não nos lembramos do forasteiro. Nem depois, quando o
assessor abriu a Bíblia e leu o início do livro que narra os Atos de alguns
Apóstolos: “Depois de reunir os Onze, Jesus anunciou a vinda do Espírito Santo,
que os tornaria testemunhas do Reino, espalhando a Boa Nova, desde Jerusalém
até os extremos da terra. Dito isso, ele foi subindo, subindo...”
Os
Apóstolos ficaram olhando para o céu. Nós também estávamos olhando para o céu.
Para onde mais devemos conduzir o nosso olhar num curso bíblico? Jesus prometeu
que ia voltar. Os Apóstolos ficaram lá esperando. Nós estamos esperando até
hoje. Quanta injustiça, quanta roubalheira nesse Congresso, quanta gente
necessitada... Quando Jesus voltará? E ele ia subindo, subindo...
Antes
mesmo de começar o curso, alguém relatava: viemos do acampamento dos sem-terra,
lá nas terras da União. Eles têm ordem de desocupar o local dentro de dez dias.
O juiz alega que aquela área é de mata nativa, mas “diz-que” na região só tem pinus. Um lamento daqui, uma palavra de
indignação dali, e ele ia subindo, subindo...
Falamos,
então, do nascimento de Jesus. Comparamos os anúncios feitos a Maria e a
Zacarias. Este, levita. Aquela, embora prometida a um homem (José), ainda
solteira. O primeiro em Jerusalém, servindo no Templo. Ela em Nazaré da
Galileia, entretida com a lida da casa. Ambos recebem a visita do anjo Gabriel
e duvidam da mensagem. Um fica mudo, a outra recebe uma palavra que a acalma. É
que o Templo, quando o Evangelho de Lucas foi escrito, já estava destruído. Por
isso, não tinha mais o que falar. Maria, por outro lado, estava em casa, num
vilarejo nos cafundós da Galileia. Poderia vir algo bom de lá? (Jo 1,46) Porém,
é no ventre de uma mulher extremamente pobre (como a maioria em Nazaré) que
Jesus se encarna e instaura um novo espaço de culto a Deus: a casa. Conforme ouvíamos
essas coisas, uns se empolgavam, outras nem tanto. E ele? Continuava subindo,
subindo...
“E
aconteceu que, quando estavam à mesa, tomando ele o pão, abençoou-o e, tendo-o
partido, deu a eles; então, se lhes abriram os olhos, e o reconheceram.” (Lc
24,30-31b) Estávamos terminando de ler o texto de Emaús quando dois
homens de branco bateram à porta: “Por que vocês estão olhando pra cima?” – É
que vimos Jesus subindo, subindo... – “Mas vocês estão olhando para o lado
errado. Venham conosco!” – De repente, eis que estávamos no acampamento. Olhamos
para o lado e vimos o forasteiro. Com ele estavam vários estrangeiros, isto é, gente
que falava todas as línguas possíveis e imagináveis. Ele nos viu e sorriu.
Apontou para uma mulher, D. Irma. Ela estava falando: “Minh’alma glorifica o
Senhor porque olhou para nós, os pequenos. Ele eleva os humildes e despacha os
ricos de mãos vazias. Mas, para isso, é preciso olhar para Moisés e Elias. Um
lembra o Êxodo e a sua Teologia da Libertação. Ele conduziu seu povo para a
reforma agrária. O outro é um profeta e, por isso, ensina a Teologia da
Resistência. Ocupar e resistir é nossa maneira de lutar, de fazer o governo
perceber nossa existência, é o modo como denunciamos a injustiça de um sistema
onde uns poucos têm muita terra enquanto muitos não têm nenhuma”. A língua
dessa mulher parecia de fogo. Ela falava lá do jeito dela, mas todo mundo
entendia. Nossos corações ardiam. Então percebemos quem era o forasteiro, mas ele havia sumido. Naquele momento, os forasteiros
éramos nós.
Ao
voltarmos, encontramos novamente o forasteiro. Ele disse-nos: “Fui eu quem
enviei aqueles homens. Eles levaram vocês a Betânia,
que significa Casa dos Pobres. Foi lá que eu nasci. Foi de lá que eu vim parar
em Jerusalém. Eu os levei até Betânia para que a transformem em Belém, Bet Lehem, Casa do Pão, uma grande casa
comum, onde toda a criação terá o suficiente para viver. Mas atenção! Aprendam
da experiência do maná do deserto e do casal Ananias e Safira nas primeiras
comunidades que o acúmulo e a ganância criam somente vermes e podridão, isto é,
um sistema de morte. Divulguem por aí que a Boa Nova é a partilha. Não ignorem
as coisas antigas, mas deem a elas um novo significado, centrado no amor e na
justiça. Sem essa novidade, o antigo ficará mudo como Zacarias e estéril como
Isabel.”
Ele
disse, ainda, outras coisas. Falou com cada um e cada uma em particular. Quando
decidimos pular o muro do nosso medo e da incerteza e saltar para o infinito
desconhecido, ele sumiu de novo diante dos nossos olhos. Mas, de repente, já
não estávamos sós...
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