“Senhor, é bom estarmos aqui!” Assim meditava um jovem enquanto na
comunidade se fazia a leitura do Evangelho. É bom estar na Igreja. Eu sou um
jovem de sorte, um jovem abençoado, pois conheço os caminhos do Senhor. Poderia
estar na rua, me drogando, mas estou aqui, aqui onde quero sempre estar. Não é
o que diz o texto? Vamos fincar nossas tendas neste monte santo, que é – só
pode ser – a Igreja.
Depois da leitura, o estudo da Palavra. O padre explicava com sua voz
suave, cheia de pausas dramáticas: são três tendas, uma para Jesus, outra para
a lei (Moisés) e outra para os profetas (Elias). Como o padre explica bem! Se
não fosse essa história de celibato, eu queria ser padre. Mas Jesus desceu com
eles e foi para o meio da multidão. Como assim? Descer pra quê? Se tava tão bom
lá... O jovem divagando e o padre explicando: “Precisamos descer da montanha do
nosso egoísmo e levar a Palavra a todos os homens, especialmente aqueles que
estão afastados da Igreja”. Sim, sim, sim! Era essa a sua missão. Como o padre
era sábio...
Vinha para casa cantarolando: “Leva-me onde os homens necessitem...”
Então fez algo que não estava acostumado a fazer: prestou atenção na letra da
música. Onde os homens? Por que as mulheres não? Melhor ainda... No seu grupo
de base, cantavam: “Leva-me onde os jovens necessitem”. Hum, onde os jovens
necessitam? Falavam em suas reuniões de jovens perdidos, largados pelas ruas,
sem Deus no coração... Todo fim de semana cantavam essa música. Deus finalmente
estava levando-o até onde os jovens necessitam. Esses pobres desafortunados
finalmente iriam conhecer a Palavra.
No outro dia, a coragem e a empolgação já não eram as mesmas. Mas não
podia falhar com Deus. Convidou sua prima, que também participava do grupo. Ela
fez um charminho, mas topou ir junto. Primeira parada, um jovem na calçada. Oi,
você mora onde? Aqui mesmo! Não tá vendo? Ah, tá! Desculpa! É que... Gaguejou.
A prima o socorreu: “Você acredita em Deus?” Acredito... Vocês têm um trocado
aí? Não, meu irmão, não temos nada, mas o que temos... Vocês têm um cigarro?
Não! Não... A gente não fuma! É que... Ei, vocês podiam me pagar um pastel?
Não! Nós queremos te trazer a Palavra... Palavra não enche barriga nem dá
barato. Se vocês não têm o que me oferecer, saiam daqui que eu tô trabalhando.
O começo não foi nada bom, mas é assim mesmo: nem todos estão preparados para
ouvir a Boa Nova.
Então, os primos seguiram adiante e encontraram uma jovem parada na
esquina. A confiança já não era a mesma, ainda mais depois do revés inicial.
Ele tinha vergonha do que pensaria o pessoal da Igreja se o visse conversando
com uma... uma... Ai, deixa que eu vou! A prima novamente o socorria. Oi, você tem
um tempinho? Gostaríamos de falar contigo! Hum, casal é mais divertido! Onde
está o carro de vocês? Não, não... Estamos a pé! Hum, casal é mais caro,
querida! Ei, espera! Nós não... E, sem graça, ela saiu. Vendo a expressão no
seu rosto, o primo não disse nada. Apenas caminharam calados até em casa.
Tristes em volta da mesa, na cozinha da casa dela, lamentavam o
acontecido. Mas não podemos nos dar por vencidos! Nosso primo Victor. Ele só
fica em casa, jogando videogame. Talvez possamos começar por ele. Mas já o
convidamos tantas vezes! Além disso, a mãe disse que já cansou de chegar lá,
quando a tia não tá, e sentir cheiro de maconha. Temos que tentar. Se não
conseguirmos com ele, com os da rua vai ser pior ainda. E lá se foram...
Ô Victor! Entra aí, seus manés! Tô aqui, só de boa! Querem jogar um
game novinho que eu comprei? Não, nós... É que... Ih, lá vêm vocês de novo com
esse papo de Igreja? É que nós queríamos te mostrar como é legal no nosso
grupo. E hoje, sabe... Hoje tem estudo bíblico. O padre faz uma leitura bem
diferente. A gente não fica só lendo a Bíblia. A gente vê como ela pode ser
útil na nossa vida. Hum... Já que é assim, deixa eu perguntar uma coisa: Vocês
gostam mesmo de ler a Bíblia? Sim, gostamos! Então guardem isso pra vocês! Eu
gosto é de zuera!
Eles não tinham se dado conta disso. Ele não tinha se dado conta. As
outras pessoas também têm seus interesses, suas vontades, uma identidade
própria. Ele nunca se perguntou o que as pessoas ao seu lado querem. Nunca
entendeu como elas não poderiam querer o mesmo que ele. Elas não conhecem
Jesus. Só pode! E agora ele se dava conta de que as pessoas nunca fariam o que
ele quer, mas só o que elas quisessem. De repente, virou-se para sua prima e
perguntou: o que você quer? Ela não entendeu muito bem: “Só quero ir pra casa!
Meus pés estão me matando!” Não, o que você quer da vida? Sei lá eu! Tô muito
mau humorada para falar nisso agora! Sem perceber, ele estava fazendo de novo. Iria
iniciar uma discussão filosófica sem perguntar se era isso que sua prima queria
naquele momento. Ok, vamos pra casa!
Sozinho em seu quarto, o jovem folheava a Bíblia. De fato, Jesus não
curou ninguém lendo as Escrituras. Ele fazia gestos, recomendava boas ações, ensinava
a questionar/enfrentar o sistema político e religioso de sua época, mas nunca
disse: “Estude a Palavra e depois conversamos!” Então por que ele, o jovem,
fazia isso? Porque ele gostava! Jesus ouvia as necessidades das pessoas e as
atendia, sem exigir conversão, sacrifícios ou um ato de fé. Jesus dava às
pessoas o que elas necessitavam, não o que Ele achava importante para elas.
Leva-me onde os jovens necessitem... Jesus sabia o que elas necessitavam porque
as ouvia. Faltava ao jovem o ato de ouvir. Sair de si mesmo e se colocar no
lugar da outra, do outro. Por que o morador de rua foi tão rude? E a jovem na
esquina? Aliás, por que eles chegaram àquele estado? Por que o primo Victor era
tão rebelde? Talvez porque, até hoje, ninguém tenha se importado com a vida
deles, seus anseios, sua história. Então o jovem finalmente entendeu: Não há
como levar a Palavra até os mais necessitados sem se importar com a sua
realidade.
A Palavra se fez carne! Levar a Palavra – o jovem passou a compreender
assim – não é abrir a Bíblia, no meio da rua, e começar a ler para o mendigo.
Folheando as Escrituras, ele encontrou: “Tal ocorre com a palavra que sai da
minha boca: ela não volta a mim sem efeito; sem ter cumprido o que eu quis,
realizado o objetivo de sua missão” (Is 55,11). Estudar os escritos de nada
serve se isso não se traduz em ação, em mudança de vida. Lembrou-se, então, de
uma frase muito repetida em seus cursinhos de Igreja: “Quando dou pão aos
pobres, me chamam de santo; quando pergunto por que eles não têm pão, me chamam
de subversivo”. Compreendeu, enfim, que seu compromisso não era fazer a
diferença apenas na vida das pessoas, de uma pessoa. A Bíblia só se torna Palavra
de Deus quando ajuda a construir a identidade de um povo – uma comunidade – e a
se comprometer com a mudança de uma sociedade, onde todas e todos, inclusive
sua amada juventude, tenham respeitado o direito de bem-viver. Isso é espalhar
a Boa Nova. Nisso (na ação) reconhecerão os outros de quem somos discípulas e
discípulos. Isso é Palavra de Deus.
O jovem, hoje, é professor em escola pública e está sempre atento aos
anseios de seus educandos e educandas. Há pouco tempo, incentivou-os a montar
um grêmio estudantil. A escola nunca mais foi a mesma depois disso. A prima
seguiu outra carreira. Ela se tornou advogada. Presta assessoria gratuita aos
pobres, uma vez por semana, mas abandonou os tempos de igrejeira. Afinal, ela
também é uma pessoa com vontades próprias.
Cara... Achei muito legal! Enxergo a minha primeira base pastoral, lá nos meus 13anos...
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