Então o meu tio,
pescador, resolveu fazer um perfil no facebook.
Como ele não manjava muito dessas tecnologias, pediu minha ajuda. Enquanto eu
lhe apresentava o mundo virtual, ele me dizia, entre maravilhado e temeroso, o
que entendia por “navegar”, “rede” e outros termos tão comuns ao seu universo.
– Fiio, navegar
só é bom quando a gente conhece bem os perigos do mar. E rede é legal, mas só
para o pescador, não para os peixes.
Eu, metido a
biblista, falei pra ele de um episódio onde Jesus manda Pedro lançar as redes
em águas mais profundas. Ele, curioso que só, pediu para eu contar a história.
Depois que terminei, ele me olhou bem sério e disse:
– Brabo de
acreditar...
– Por que, tio?
– Esse Pedro sai
à noite, que é mais fácil de enxergar os peixes, e não acha nada. Aí, de dia,
que é quando os bichinhos ficam escondidos, eles enchem as redes. E ainda por
cima em alto mar? Truco!
Confesso que
nunca tinha visto a questão pelos olhos de um pescador. Sempre imaginei a cena
toda de forma simbólica. Ou seja, o barco como sendo a Igreja; a noite e o mar
representando os perigos do mundo; Pedro como um chefe religioso; a rede, o
Evangelho; os peixes, novos adeptos da religião nascente... Mas o tio me deixou
intrigado. Como os ouvintes de Jesus, muitos deles pescadores de profissão,
encararam esse “deslize”? Bom, o relato é de Lucas. Talvez o seu público não
tenha percebido... Mas alguém tão cuidadoso em compilar os textos não iria
cometer um erro tão grosseiro. Iria? E se foi de propósito? E se houvesse um
sentido mais profundo?
Talvez o autor
fizesse mesmo questão de contar o sucedido de maneira “fantástica” para que as
pessoas se antenassem e olhassem para além das aparências. Ora, se Jesus é a Luz, faz todo sentido pescar
durante o dia. Ir para águas mais profundas, ou para o mar aberto (“fazer-se ao largo”, dizem algumas
traduções), significaria ter uma visão mais ampla e mais crítica da realidade e
do mundo que nos cercam. Logo, a rede, usada à noite para capturar peixes,
teria um novo sentido à luz do Sol: libertar as pessoas.
Então me lembrei
que estava iniciando meu tio no mundo das redes virtuais. Fiquei impressionado
com a sua perspicácia. Ele nem começou a usar o perfil e já estava intuindo a
existência de armadilhas. De fato, se tem uma coisa que acaba, com o ingresso
nas mídias sociais, é a privacidade. Na era dos reality shows, ansiamos por expor todos os nossos passos na
internet. Atentos a isso, os patrocinadores injetam dinheiro pesado nos sites
de relacionamento em troca de informações privilegiadas sobre nossos dados
pessoais e tendências de consumo. Isso pra não falar nos problemas de roubo de
senhas (inclusive do internet banking)
e até de espionagem. Olhando por esse lado, as redes virtuais são muito perigosas.
Já ia dando
razão ao meu tio quando minha esposa veio avisar que havia voltado da academia.
Então pensei no outro lado da moeda: eu a conheci num site de relacionamento, e
estamos juntos há dez anos. Mantenho uma lista extensa de amizades virtuais com
quem debato os mais variados assuntos. As propostas de estudos, como os de
hermenêutica juvenil, têm circulação inalcançável pelos métodos tradicionais de
divulgação. Numa dessas listas de debates surgiu a ideia do curso bíblico
virtual, que tem rendido ótimas reflexões. Escrevo para meus blogs, auxilio em
outros e me divirto e aprendo muito com as postagens de outras pessoas. É
liberdade total de expressão e acesso a informação: algo inimaginável nas
mídias impressas e outros meios de telecomunicação. Seria isso o mesmo que lançar
as redes à luz do dia?
Indo para águas
mais profundas, para o mar aberto: as redes, em si, não são boas nem más; elas
são uma ferramenta. E que baita ferramenta! Há pouco mais de um ano, graças a
uma mobilização que se iniciou nas redes sociais, manifestantes invadiram as
ruas em busca do que imaginavam ser um Brasil melhor. Se o resultado foi um
sucesso ou um fracasso, deveu-se à falta de uma pauta de reivindicações comum,
à falta de costume de manifestações desse porte, a uma série de fatores, enfim,
que dependeram de pessoas, não do meio de comunicação. O mesmo vale para as
objeções de alguns colegas sobre cursos populares EaD. Dizem que “popular” e
“virtual” são antônimos, que a internet torna as relações frias, monótonas etc.
e tal. Isso lembra o Concílio de Jerusalém (At 15), que discutiu a necessidade
da circuncisão para os não-judeus. Lá como cá, a questão me parece ser de
costumes, portanto, não-fundamental para a fé. Pessoas circuncidadas e relações
presenciais podem ser tão boas ou tão más quanto pessoas incircuncisas e
relações virtuais.
Em suma, redes
sociais são um meio, com suas qualidades e suas
peculiaridades. Se, por um
lado, há os riscos, há também os benefícios. Tudo depende do modo como as
utilizamos. Ontem, por exemplo, esqueci meu twitter
aberto no micro do meu tio. Faz uns dez minutos, ele me mandou uma mensagem
pelo skype:
– Fiio, acho que alguém te trollei, não sei quem fui. Dá uma olhada lá! #fikadica
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