Nas últimas postagens, falei de alguns lugares e seus significados: Chapecó - abrir os olhos; Betânia - casa dos pobres. Então, pensando nos estudos bíblicos da PJ católica romana para este ano, mas querendo dialogar também com as juventudes de outras denominações, veio-me a seguinte pergunta: E Samaria, é lugar do quê, de quem?
Os textos a seguir tentam dar uma resposta. Digo "textos" porque, excepcionalmente hoje, apresento mais de uma reflexão. Não deixam de ser experimentos literários. Portanto, fiquem à vontade para dizer qual lhes agrada mais.
Ah, sim... Ambos foram escritos a pedido. Dado o prazo para entregá-los, deixei-os com títulos provisórios. Mas agora, revisitando-os, fico pensando: A Parábola do Samaritano é uma questão de proximidade ou de aproximação?
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UMA QUESTÃO DE
PROXIMIDADE
Você quer herdar o Céu? Seus problemas se acabaram!
Basta amar a Deus com todas as suas forças e à próxima, ao próximo como a si
mesma, a si mesmo. Quem é seu próximo? Bueno...
Tadeu é coordenador do JESSALVA (grupo de jovens
Jesus Salvador). Apesar de ser da periferia, seu grupo está ligado à Catedral. Em
tudo o que fazem, procuram glorificar a Deus. Por conta disso, Tadeu não fala
mais com o seu amigo Gerson. Além de umbandista, o guri é negro. E o pior...
acabou de se assumir homossexual.
A moto é que garante o sustento de Tadeu. Ele é
motoboy. Durante uma entrega, o acidente. O motorista da Van fugiu do local.
Sua moto ficou destruída. Quem aparece para ajudar? O Gerson. Ele, que trabalha
nas ruas, estava por perto bem naquela hora. Ficou com o amigo até a ambulância
chegar.
No hospital, Tadeu liga para a mãe. O celular está
desligado. Então liga para o padre. É noite de confissões, não pode se liberar
tão cedo. O jovem passa a noite em claro, ninguém aparece. Como estará sua moto?
Pela manhã, uma visita: é Gerson. Levou a moto na oficina do japonês, vai ficar
pronta em um mês. Como agradecer?
Se fosse um sábado à noite, e o Gerson fosse o
acidentado, Tadeu teria deixado o grupo de lado para ajudar o amigo? Pela
responsabilidade de coordenador, ele sabe que não. Isso o incomoda! Na última
reunião, discutiram justamente sobre a parábola do bom samaritano. Quem é o meu
próximo? Falaram de um mendigo caído, alguém sem um rosto concreto! Como
ajudá-lo? Levando-o para a Igreja! Como se todos os problemas da humanidade
derivassem da falta de religião. Mas agora Tadeu está num hospital, diante de
um problema real, com pessoas concretas, de rostos concretos. E está muito mal
por receber ajuda de quem ele nunca ajudaria. Então pensou: como me torno
próximo de alguém?
É isso! Tadeu percebeu a moral da história. A gente
não faz nada para ganhar uma herança. É perda de tempo – e revela grande
egoísmo – tentar merecer o Céu. Independente da fé que professamos, da cor da
nossa pele, da nossa orientação sexual ou da nossa condição financeira, somos
todos filhas e filhos de Deus, criados para a Vida. Por isso, participar da
Igreja, crer em – e temer a – Deus não é privilégio, não é condição de
superioridade, não é clubinho dos eleitos. Ser cristão é serviço.
No tempo de Jesus, os entendidos da Lei se
consideravam os únicos salvos. Hoje também há o costume de dizer que só quem
participa do meu grupinho, só quem professa Deus do meu jeito é quem vai se
salvar. Logo, não adianta estender a mão a quem não tem salvação. Os
samaritanos eram considerados um povo insensato (Eclo 50,25-26) porque, na
invasão assíria, foram misturados a outros povos, contaminando assim o seu
“sangue puro”. As “insensatas e insensatos” de hoje não esperam que as pessoas
se convertam à sua fé, ou se arrependam de seus pecados, para ajudá-las. Elas
não se sentem seres superiores, que vieram a esta terra para julgar os vivos e
os mortos. Elas vão ao encontro dos outros, elas se tornam próximas dos
necessitados para estender a mão a eles. Diante do sistema, não perguntam por
que vivem os maus e morrem os bons. São insensatos demais para julgar quem
merece viver ou morrer. Em vez disso, limitam-se a perguntar por que existe a
morte. Em sua insensatez, entendem que a Vida é para todas e para todos.
Então, nesse jogo de aproximação, o que escolhemos?
Decidir quem é o nosso próximo, isto é, quem merece nossa ajuda, nosso amor? Ou
decidimos amar indistintamente, com isso tornando-nos próximas, próximos – e
colocando-nos a serviço – de quem precisar?
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UMA QUESTÃO DE
PROXIMIDADE II
Quem é o meu próximo (Lc 10,29)?
O Doutor pergunta a Jesus, malicioso. Quer que Ele admita: só a “gente do bem”
merece ser amada. De certo, não vê com bons olhos tantos pobres e estrangeiros
seguindo o Nazareno. Mas este, rei da subversão, conta uma história e inverte o
problema: quem é o próximo do outro, daquele que está caído à beira do caminho
(Lc 10,36)?
A resposta, que o especialista da Lei custa a dar, parece simples: o
samaritano. Na verdade, podia ser qualquer um, qualquer uma que estendesse a
mão ao necessitado. Mas por que justo um samaritano? E mais... A Tradição o
acusa de ser bom. Por quê? Samaritanos normalmente são maus? Talvez sim...
Recuando alguns versículos (Lc 9,51-56),
vemos Jesus rejeitado na Samaria apenas por dizer que estava a caminho de
Jerusalém. Em Eclo 50,25-26, por
outro lado, um judeu chama os samaritanos de estúpidos. Por que tanta
rivalidade?
Logo depois da morte do rei Salomão (931 a.C.), Israel se separou em reino do sul (Judá) e reino do
norte (Israel). Poucos séculos depois (721
a.C.), a Assíria dominou este último, repovoando-o, misturando a população
local a grupos oriundos de outros lugares. Na visão dos irmãos sulistas, a
miscigenação inter-racial tornou os nortistas impuros, impedindo-os de
continuar pertencendo à “raça dos eleitos” e desfrutar a Terra Prometida. Algo
semelhante aconteceu com Judá, pouco depois, sob o domínio babilônio, mas...
voltemos à parábola.
O cenário escolhido por Jesus é algum lugar entre Jerusalém e Jericó,
ambas cidades da Judeia. Isso explica a origem do assaltado, do sacerdote, do
levita e até do dono da pensão, todos obviamente judeus. Mas... o que faz um
samaritano ali? Bom, ele é o outro. A Samaria é o lugar do outro, do
estrangeiro. Lucas, vale lembrar, escreve em um ambiente fora da Palestina. Seu
público são comunidades cristãs em cidades dominadas pela cultura grega. Nelas
havia também cristãos vindos do judaísmo, que se julgavam superiores aos
demais. Falando de um samaritano, Lucas espera que eles entendam: não se trata
se ser melhor ou pior; eles podem até ser os primeiros em relação às promessas
de Javé, mas os “fora-da-Lei” (não-judeus) demonstram mais liberdade para amar,
pois não estão nem um pouco preocupados com questões de pureza (de fato, segundo
a lei judaica, acudir um homem caído era correr o risco de tocar em um leproso
ou outro tipo de pecador que poderia tornar seu socorrista também uma pessoa
impura). Os judeus podem ser “gente do bem”, etc. e tal, mas é em seu
território que o ato de violência acontece. Quem demonstra misericórdia é um
estrangeiro...
Para lembrar que todos são iguais, o texto começa, inclusive, falando
em uma herança. A primeira pergunta do especialista da Lei é como fazer para herdar
a vida eterna (Lc 10,25). Ora,
ninguém ganha uma herança por mérito. O pai a oferece gratuitamente, tanto aos
filhos mais velhos (judeus) quanto aos mais novos (helenos). Nada deve ser
feito pensando na recompensa, pois isso já não seria amor. Ajudar somente aos
semelhantes demonstra egoísmo e corporativismo. Porém, aproximar-se (isto é,
ser o próximo) até de quem nada tem a oferecer, com o desejo único de servir,
isso sim é amor.
Por fim, pensemos em nossos dias. Quem são as samaritanas e samaritanos
de hoje? Quem são as impuras e impuros que enxergamos com maus olhos? Os irmãos
ateus, ou de outras denominações ou religiões? As pessoas cuja orientação
sexual diverge da nossa? Bêbados, mendigos, presidiários e prostitutas? Jovens,
mulheres, negros, índios? Desempregados, roceiros, operários? Argentinos,
uruguaios, angolanos, libaneses? Nordestinos, paulistas, cariocas? É possível
esperar algo de bom deles? É possível amá-los? O que falta para isso? Talvez,
como o especialista da Lei, estejamos esperando o próximo tomar a iniciativa:
“ah, esse aí bebe porque é vagabundo!”; “aquele lá só não trabalha porque não
quer!”; “bolsa-família, cotas, vale-reclusão... e tão reclamando de quê?” Enquanto
isso, quem está sendo a próxima, o próximo da nossa gente?
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