Impulsionados pelas manifestações de 2013, os movimentos sociais têm se mobilizado para fazer de 2014 o ano da reforma política. Nada mais justo e necessário! Por isso, o grito da Semana da Cidadania, promovido pelas pastorais da juventude da ICAR: “É hora de transformar o que não dá mais”. Sem dúvida, um forte apelo de quem anseia por mudanças. Mas há que se perguntar: O que não dá mais? Como transformar o que nos desagrada? Transformar em quê?
Ora, transformar é ir além da forma, isto é, do que é imposto. Fazer
reforma política, neste caso, é buscar algo além do que já foi tentado. Mas
começar por onde? Ouvindo o rumor das ruas (uma verdadeira Torre de Babel), talvez o único consenso tenha
sido a insatisfação com os nossos governantes. Coxinhas, black blocks,
anonymous, comunas infiltrados, todos os grupos optaram por desqualificar as
pautas alheias para legitimar as suas, muitas vezes se esquecendo até do que os
levava aos mesmos espaços públicos, ou seja, quem era o inimigo comum. Esse cenário dificultou – e muito – a definição do ponto de partida.
Felizmente, passado já algum tempo, o fervor inicial dando espaço à
natural acomodação, uma luz começa a surgir no fim do túnel. A onda do momento
é criticar a realização da Copa no Brasil. O principal argumento é que falta
saúde, educação, emprego e saneamento básico, entre outras coisas, enquanto o
governo gasta milhões em estádios de futebol. A grande descoberta(?) das
classes média e alta é que instaurou-se (só agora?) uma crise política em nosso
país. Não por acaso, é a grande mídia que tem pautado as discussões (haja vista
o espetáculo do julgamento do/s mensalão/ões). Se, por um lado, é nítida a
manobra para derrubar a esquerda do poder, por outro, temos uma excelente
oportunidade de debater os rumos da sociedade e do planeta.
Nesse sentido, é muito importante a iniciativa das juventudes. As grandes mudanças da nossa nação sempre tiveram os grupos juvenis
no papel de protagonistas. Os primeiros a se mobilizarem quando se iniciaram as
manifestações de 2013 foram os jovens e as jovens. Sinal de que os rumos da
política não são assunto só de “gente grande”.
Para contribuir com as reflexões é que segue este folhetim. A iluminação
bíblica – “Felizes os que têm fome e sede de
justiça, porque serão saciados” (Mt
5, 6) – será o nosso guia. Abrindo o Sermão da Montanha, as bem-aventuranças
(Mt 5,1-12) anunciam a concretização do Reino, aqui e agora, e prometem um
tempo de justiça e solidariedade, onde a terra será de todas e de todos. Nesse
dia, a humanidade verá a Deus. Começando pelos nossos municípios, a atual organização
política brasileira atende a essa expectativa? Existe algum sistema, no
ocidente ou no oriente do planeta, que se aproxime da proposta de Mateus? E se
aprofundarmos um pouco mais... Uma reestruturação que fosse apenas política
daria conta de nos levar à tão sonhada “Civilização
do Amor”?
Parece-me que algumas palavrinhas-chave nos
apontam necessidades não contempladas pela reforma política. O direito à
propriedade, seja ela material (a terra, por exemplo) ou intelectual
(expressões artísticas e patentes), passa pelas reformas agrária e tributária,
entre outras. Um mundo justo e solidário só será possível mediante a reforma do
poder judiciário. O acesso ao divino, enquanto não houver uma reforma (e
verdadeira conversão) religiosa, dependerá sempre dos “pedagiários” líderes
espirituais. E tudo isso só acontecerá quando houver uma reforma cultural, pois
é impossível encontrar uma só pessoa que esteja disposta a abrir mão e
partilhar uma parte do que tenha acumulado, lícita ou ilicitamente, não
importando o quanto se tornem escassos os bens vitais ao restante da população.
Seria, então, uma missão impossível alcançar
essa “terra onde mana leite e mel” (Ex 3,8)? Não, claro que não! Ela pertence
às pessoas pobres em espírito (Mt 5,3) e praticantes da justiça (Mt 5,10). Você já
percebeu que há pobres com mentalidade de rico, isto é, gente que, mesmo
vivendo na mais completa miséria, preza pelo acúmulo de bens, não importa de
que modo o consiga? Mateus apresenta Jesus no alto da montanha, indicando que
Ele é o novo Moisés. Pois bem! Na travessia do deserto, os hebreus aprendem a
partilhar o pão (Ex 16,16-21). Tendo somente cinco pães e dois peixinhos, Jesus
ensina algo semelhante (Mt 14,13-21 – note que, segundo o v. 15, o cenário é o
mesmo do Êxodo, isto é, deserto). Isso é ser pobre em espírito. Isso é fazer
justiça. Mas perceba que não basta ser justo; é preciso cultivar uma cultura de
justiça (v. 16 – “deem-lhes vocês mesmos
de comer”). Ou seja, viver o Evangelho não é somente dividir os bens
materiais, mas despertar na outra, no outro uma nova atitude, uma prática equivalente à de Jesus
(Mt 5,48 – “sejam perfeitas e perfeitos
como o Pai Celeste é perfeito”).
Finalizando, resta o apelo de Paulo, dirigido
aos romanos (e romanas?), mas igualmente válido para nossos dias: “Não se conformem com este mundo, mas
transformem-se, renovando suas mentes, a fim de poderem discernir qual é a
vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (essa iluminação
bíblica, aliás, não seria uma boa resposta para o que se deve transformar?).
Não basta exigirmos políticos melhores se não formos pessoas perfeitas como o
Pai. É hipocrisia falar de injustiça quando nossa prática é injusta. Busquemos,
sim, uma reforma política. Mas que ela seja centrada na busca de um novo modelo
de sociedade, inclusivo, solidário, justo e humano. Só assim saciaremos
(lembram-se: deem-lhes vocês mesmos de comer?) aquelas e aqueles que têm fome e
sede de justiça.
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