E
o caldeirão, ou melhor, a panela de pressão popular está em ebulição. O
movimento que começou com jovens estudantes (cabe aqui o reconhecimento, já que
eles sempre são vistos como irresponsáveis ou desinteressados), devido ao
aumento das passagens de ônibus, foi o estopim de uma série de protestos por todo
o Brasil. Dizem que o gigante deitado em berço esplêndido finalmente acordou.
Deve ser verdade, pois parece movimentar-se de modo bem desorientado, como quem
acabou de sair da cama. Os gritos da rua são fortes, mas dispersos, cada manifestante
expressando o sentimento que lhe convém, sem um tema comum que dê sentido aos
protestos. Sobra vontade de lutar, falta um elo norteador.
O
terreno é fértil para manipuladores. Grupos organizados, especialistas em
manter a população sob controle, foram aos poucos se infiltrando, fazendo muito
barulho e, aproveitando-se de um cenário real de injustiça e corrupção
(existentes desde sempre, apesar da extrema-direita insistir que tenham sido
inventadas pelo PT), tornaram gradualmente uníssono um desejo: “Fora, Dilma!” É a tentativa de
reproduzir o movimento dos caras-pintadas, que culminou no impeachment do Collor. Lutam por tirar as bandeiras esquerdistas de
cena, alegando que as manifestações devem ser apartidárias, mas fazem
convenientemente o jogo da oposição ao Governo Federal. Isso é tão óbvio que
chega a ser impressionante como a maioria dos participantes não percebe e entra
no embalo.
Há
dois meses, dois encontros de Bíblia e Juventudes – um em São Leopoldo, outro
em Santana do Livramento – falavam também de um povo que clamava no deserto.
Estávamos, ainda, sob os efeitos dolorosos da tragédia em Santa Maria. Líamos
com grande expectativa o primeiro capítulo do Evangelho de Marcos. O povo indo
atrás de João Batista, buscando o seu batismo como alternativa aos ritos
purificantes (e excludentes) do Templo em Jerusalém. Jesus sendo batizado e
recebendo sua missão no Rio Jordão. A formação do primeiro grupo de discípulos,
a prisão de João e o início da missão de Cristo. É inevitável comparar aquelas
reflexões ao que está acontecendo agora.
São Leopoldo, 6 e 7 de abril de 2013
Cada
encontro tratou de um tema diferente. O de São Léo falou sobre Políticas
Públicas para a Juventude. Em Livramento, onde os participantes estavam
notavelmente mais sensibilizados com a tragédia da Boate Kiss, já que lá
perderam parentes e amigos, o assunto foi o cuidado com a vida e a construção
de relações solidárias. O pano de fundo em ambos, porém, era a violência e o
extermínio de jovens. Por isso, percebendo que, conforme Mc 1,14, Jesus abraçara sua missão somente após a prisão de João
Batista, perguntávamos: “Que Joões ainda precisam ser presos, isto é, o que
falta acontecer para tomarmos uma atitude?” O questionamento foi um senhor
chacoalhão para os participantes, que se sentiam acomodados. Entretanto, nem a
previsão mais otimista daria conta de que, sessenta dias depois, o povo tomaria
as ruas.
Santana do Livramento, 13 de abril de 2013
A
coincidência dos fatos é tão grande que, certamente, muitos dos presentes aos
encontros lançaram-se porta afora, certos de que o momento havia chegado.
Porém, é preciso calma e muito discernimento para não sermos arrastados pelas
primeiras impressões. Os mais atentos provavelmente se lembraram de duas
coisas:
1º) Qual a missão de Jesus e de que fonte Ele a recebeu? Os versículos 11 e
12 de Marcos são retirados de Is 42,1, onde se lê: “Vejam o meu servo, (...) nele tenho o meu agrado. Eu coloquei sobre
ele o meu espírito, para que promova o direito entre as nações”. Ora, o
direito, segundo o mesmo Isaías, era fazer justiça aos pobres (órfãos, viúvas,
estrangeiros etc.). Hoje, quem são os pobres e quem está a favor deles? Que
dizem essas pessoas ou grupos sobre as manifestações? Eles tomam parte nisso?
De que forma? Essa última questão nos remete ao segundo ponto, que é...
2º) De que maneira Jesus organizou sua revolução? As pessoas punham
seus camelos na estrada e protestavam contra tudo e contra todos? Parece que
não... Primeiro, o Nazareno anunciou a chegada de um novo tempo e exigiu
mudança de atitude (v.15). Depois, formou grupos pequenos (vv. 16 a 20). Por
fim, demonstrou que o espírito do grupo deveria ser de doação e serviço ao
próximo (v. 21 em diante).
Por
mais que as massas o procurassem – e Ele dedicasse algum tempo a atendê-las –
Jesus sempre recusou a popularidade fácil (vv. 35 a 39). Ele sabia que multidão
desordenada logo vira rebanho, ajuntamento sem capacidade de reflexão, guiado
apenas pelo cajado de um pastor. Organizando seus seguidores em pequenos grupos
(como os doze apóstolos, o círculo de mulheres, o núcleo de Betânia etc.), em
apenas três anos, Cristo mudou definitivamente o mundo.
Pensando
agora, sob esse novo olhar, será que fazem tanto sentido assim essas
manifestações? Pelo que estamos lutando mesmo? O gigante acordou? Que gigante é
esse? Será um monstro devorador de criancinhas? Em São Paulo, prefeito e
governador disseram que baixaram as passagens, mas terão que subir outros
impostos (PT e PSDB juntos... fim dos tempos?). Abasteci hoje meu carro e fui
surpreendido com o aumento de R$ 0,20/litro da gasolina. Será que o gigante põe
medo em nossas autoridades? Sabemos exatamente o que queremos? Estamos
atingindo nossos objetivos assim? Haveria outra forma? O que isso exigiria de
nós? Estamos dispostos?
O
caminho é longo e não se resolve em alguns confrontos com a polícia militar. O
lado bom é que, de uma hora para outra, todos se interessaram por assuntos como
o funcionamento dos impostos, os royalties do pré-sal, a tal de PEC 37... Os
movimentos sociais estão com a faca e o queijo na mão. Esta é a nossa melhor
chance de mobilizar a nação. Vamos para as ruas, sim, mas de forma organizada.
Lutemos para que o Brasil realmente seja de todas e de todos.
Paz e bem!
ResponderExcluir.
Possato escrevestes:
"Lutam por tirar as bandeiras esquerdistas de cena, alegando que as manifestações devem ser apartidárias, mas fazem convenientemente o jogo da oposição ao Governo Federal. Isso é tão óbvio que chega a ser impressionante como a maioria dos participantes não percebe e entra no embalo."
.
Oito, dez anos de bombardeio diário
(o governo mais corrupto da História,
nunca ante um governo roubou tanto etc.)
das TVs, rádios e jornais
ajudam a entendermos
porque não percebem e vão no embalo.
.
Me parece que a chave
para explicarmos as origens
está em Tocqueville:
A revolta dos satisfeitos
quando há uma freada brusca na economia.
Está havendo uma freada,
mas não é tão brusca,
porém se incluirmos o bombardeio na equação
podemos começar a entender.
Paz e bem!
ResponderExcluirUm segundo comentário:
Ou o movimento se organiza
para neutraliar a ação
dos que querem o caos,
ou ficará refém deles
(nas ruas ou em casa).