Que
maravilha é poder viver o sonho da casa própria. O meu, por exemplo, já está
quase realizado. Quer dizer... A primeira etapa do sonho já está quase pronta. Quando
for entregue a chave (e que demora, meu Deus!), a residência ainda vai ser mais
da Caixa Econômica do que minha. Mas, mesmo assim, que deliciosa espera, como é
divertido namorar a obra, visitá-la, ver os seus progressos, ficar irritado com
a demora, cobrar uma melhoria, enfim, ocupar-se com o que é (ou ainda vai ser)
seu.
Agora
vejam vocês! A casa, por enquanto, é da CEF. Entretanto, quem está pagando o
IPTU sou eu. Tudo bem... Em breve, terei o direito de morar no que ainda não é
totalmente meu. Mas, pensando na serventia do IPTU, além da coleta do lixo, alguém
sabe me dizer que benefícios mais eu terei? Interessante pagar um imposto que
me dá direito de morar no que é meu, não acham!? Ah, mas que papo de doido! Que
tolo sou eu por pensar que imposto implica em benefícios. Imposto, o nome já
diz, é uma imposição. Sendo assim, impõe quem pode, do verbo “Poder”, obedece quem tem juízo. Se fosse
pra dar retorno, chamar-se-ia Investimento,
não é mesmo!? Mas existem problemas maiores...
Certa
vez, participei de um curso de lideranças cristãs. Lá pelas tantas, me saíram
com a seguinte pergunta: “Qual a diferença entre a construção da casa do
João-de-Barro e a nossa?” Anos depois, segui reproduzindo o curso, sempre
fazendo a mesma pergunta. Porém, somente agora entendo a genial sacada da
comparação. O que é necessário pra que o João-de-Barro more no que é seu?
De
fato, são muitas as diferenças. A começar pelo fato de que a ave é brutal e
machista. Se a fêmea o trai, é trancafiada no ninho, deixada para morrer. O ser
humano resolve a questão na justiça. Quer dizer... Salvo casos extremos, onde a
parte ofendida picota o traidor e o coloca em malas de viagem. Mas enfim... Normalmente
busca-se uma alternativa legal para o problema.
Questões
idílicas à parte, as diferenças não param por aí, mas (desculpem o irresistível
trocadilho) vamos por partes. Embora alguém tenha me dito, certa vez, que viu
um João-de-Barro roubando(?) cimento de uma construção, até onde se sabe, esses
passarinhos costumam construir suas casas com barro. Nossa espécie,
teoricamente mais evoluída, aprendeu a utilizar, além do cimento e do barro,
uma série de materiais como madeira, gesso, piche, tapume, palha, lajota, pedra
etc. Além disso, eles têm um só modelo de fabricação, utilizado para uma única
finalidade. Nós, ao contrário, fazemos construções quadradas, redondas,
triangulares, mistas, empilhadas, isoladas, muradas, improvisadas, bem
planejadas etc. Normalmente, não usamos o mesmo espaço para dormir, trabalhar,
comer, evacuar, relaxar, rezar, prosear, estudar, malhar, gozar... Na maioria
das vezes, ninguém confunde um banheiro com uma cozinha, uma academia com um
escritório e assim por diante.
Outra
comparação (que eu, particularmente, considero bem romântica) diz respeito ao
meio ambiente. O João-de-Barro se molda às condições do solo (matéria-prima),
da árvore (ou poste), do clima etc. O ser humano, ao contrário, transforma o
meio em que vive. Até aí, vá lá... O problema é ver, nisso (e alguns cursistas,
mais beatos, chegavam a forçar essa conclusão), o chamado de Deus para dominar
a criação e subjugá-la. Uma cosmovisão muito bonita, não fosse o que o ser
humano faz com a natureza em nome de uma interpretação fundamentalista da
Bíblia. Certamente, não foi para passar com patrolas por cima de animais, ou
destruir ecossistemas, ou alterar profundamente as condições climáticas que o
Criador colocou-nos no topo da criação.
Houve
quem quisesse enaltecer o espírito naturalmente(?) cooperativo da espécie
humana. O João-de-Barro trabalha sozinho e com o próprio bico. Meu pai até que
tentou erguer nossa casa sem ajuda, mas precisou da família para carregar
tijolo, água e cimento, limpar as ferramentas ao final do dia etc. Todo esse
material feito por outras mãos, diga-se de passagem. Além disso, como não
dominava a técnica do reboco, teve que contratar um pedreiro para o acabamento.
Outras pessoas também fazem assim, ou trabalham em mutirão, ou contratam uma
empreiteira ou um pedreiro. O fato é que ninguém constrói sozinho.
Enfim...
Dá pra viajar um monte nas diferenças e semelhanças entre o ser humano e os
animais. Mas ninguém – nem eu (não com a intensidade de hoje, pelo menos) – parecia
sequer desconfiar que estava no meio de uma palestra chamada “Dignidade da Pessoa Humana”. Ora, a
grande diferença está aí. Todo João-de-Barro tem onde morar; isso ninguém
discute. Já, o ser humano, para viver com dignidade, precisa conquistar: o
direito de morar, comer, vestir-se; o direito à saúde, educação, trabalho,
lazer etc. Ah, sim... E acesso à internet. Quem não tem e-mail, hoje,
simplesmente não existe.
E
como conquistar um direito, hoje e em qualquer época da civilização humana?
Tendo poder e/ou influência. No maldito sistema atual (a saber: o capitalismo
neoliberal), é preciso ter (capital) para ser. O dinheiro determina quem pode e
quem influencia. Quem não tem, mora na rua, de aluguel, em ocupações
clandestinas, casas abandonadas... Isto é, depende de quem tem (caso do
aluguel), ou do governo (planos habitacionais), ou dá seu jeito.
É
triste, mas alguns têm de mais, outros de menos (ou nada). Estes últimos têm
sua dignidade ferida, uma vez que não possuem direito sequer ao seu próprio pedaço
de chão. Isso é muito mais grave e merece muito mais atenção do que o material
com que joões-de-barro e pessoas constroem suas habitações. Não seria bom se,
como as aves, pudéssemos habitar esta terra simplesmente pelo fato de termos
nascido?
No
fim das contas, quando Jesus fala sobre os lírios do campo e as aves do céu (Mt
6,25-34), está fazendo a mesma reflexão. Há quem veja nisso um conselho do
Mestre para cruzarmos os braços e ficarmos esperando as coisas caírem do céu. Cristo
fala, de fato, para não nos preocuparmos, mas com coisas mesquinhas, de forma
egoísta. É fato que quem garante para si o sustento, via de regra, pouco se
importa com quem passa necessidade. E quem luta pelo seu pedaço de pão, assim que
o consegue, dá as costas para os que, até então, eram companheiros de labuta. Mas
a proposta é justamente para que sejamos o oposto disso.
O
texto fala para, antes de tudo, buscarmos o Reino de Deus e a sua Justiça. Essa
é a garantia de que todas e todos viverão com dignidade. O Reino é um eterno
mutirão, onde há moradia para todas e todos. Portanto, o desejo de Jesus é que subvertamos
a lógica do sistema capitalista. Em vez do acúmulo, a partilha. Em vez do egoísmo,
a fraternidade. Em vez da exploração, a cooperação. Em vez da dominação, o
serviço.
Se
isso não acontece, pelos menos duas devem ser as nossas práticas. Uma é a
denúncia de um sistema injusto. Outra é a luta por um mundo melhor. Por isso,
mesmo feliz com minha nova aquisição, não posso, não quero me esquecer de quem
não tem onde “reclinar a cabeça”, assim como reafirmar a luta para que todas/os
tenham vida, e a tenham em abundância.
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