quinta-feira, 7 de junho de 2012

Da Idolatria Institucionalizada


Há tempos que quero falar sobre um assunto um tanto delicado. Entretanto, a faculdade, o estágio, o trabalho, a família, os deveres de casa, a preguiça de me meter em polêmicas... vocês entendem, né!? Pois bem... Só que hoje, enfim, “ganhei” um dia pra parar, descansar, um feriado. São apenas 24 horas, mas o tempo é suficiente para umas palavrinhas.

Aliás, devo corrigir uma informação dada há instantes. Segundo os mais beatos, não se trata de um feriado, mas do Corpus Christi, dia de guarda. Diz o Código de Direito Canônico (Cân 1247, Catecismo da Igreja Católica §2042) que faltar à missa, hoje, é pecado grave. Peço a Deus que me perdoe. Se tiver um tempinho, assim que puder, irei me confessar...

Sei que deveria estar cumprindo minha obrigação, mas não posso ficar calado diante de outros pecados gravíssimos. Sinto-me no dever evangélico de denunciar a idolatria em todos os cantos, inclusive dentro da Igreja. O dia de hoje é um belo exemplo de como as igrejas preferem se apegar àquilo que as separa, em vez de se unirem em prol do bem maior, isto é, da promoção do verdadeiro cristianismo na face da terra.

Qual o verdadeiro cristianismo? Bom, se consultarmos os Evangelhos, veremos que Cristo não se preocupava com ritos, mas com a vida das pessoas. Hoje tem muita gente que também se preocupa com a vida alheia, mas é para fofocar. O cristianismo autêntico, porém, é aquele que pergunta: Por que tanta gente morre sem comida, sem teto, sem uma vida digna, enquanto alguns vivem na fartura? Mas enfim... Voltemos ao tema desta reflexão.

É cada vez mais crescente o discurso do amor à Igreja acima de tudo. Na verdade, não vai ser surpresa nenhuma quando, em vez do Cristo, aparecerem cruzes com um Pedro dependurado. Tenho observado, horrorizado, que a preocupação maior é pelo zelo à Igreja, não ao Evangelho e aos ensinamentos de Jesus. Há uma campanha escandalosa de amor à Igreja pela Igreja, e não pelo que ela deveria significar. Sinceramente? Os argumentos em “defesa da fé” estão cada vez mais parecidos com campanhas publicitárias, sinal de que o catolicismo sente seu “mercado” invadido e tenta recuperá-lo.

Lendo as Escrituras, vemos como Cristo tem aversão aos cultos vazios. Lembremo-nos de como Ele recorre ao profeta Oséias (Os 6,6) para afirmar que Deus prefere misericórdia a sacrifícios (Mt 9,13), isto é, promoção da vida em vez de auto-promoção. Recordemos, também, quando Jesus, observando os ritos do Templo, exalta o publicano arrependido (Lc 18,9-14) e a viúva (Lc 21,1-4), desprezando o falatório dos fariseus e a esmola dos ricos.

E hoje, quando vemos e ouvimos padres e bispos dizendo que a salvação está na sacristia, no seio da Igreja Católica Apostólica Romana, disponível somente aos frequentadores de missa, não é a mesma coisa!? Talvez outras denominações repitam o mesmo, enaltecendo sua fé, embora não usem de tanta pompa e circunstância. Mas falo da ICAR porque é meu chão, é meu berço. E porque só ela é capaz de fazer um feriado em honra de um “milagre” diante do qual se enxerga como a única religião eleita por Deus.

Ok, ok... Outras religiões também se veem como “Portas de Salvação”. Mas alguma delas se impõe com tanta ostensividade como a nossa, que enfeita as ruas, paralisa toda uma nação e desfila com seu Deus numa caixinha, obrigando mesmo os não-católicos a contemplarem seu rito (sendo, de alguma forma, obrigados a participar, mesmo que seja protestando)? Alguém irá me lembrar da “Marcha para Cristo”... Mas a “marcha” de Corpus Christi vem desde quando?

Não condeno todas as marchas. Por exemplo, o que têm em comum a marcha contra a violência e extermínio de jovens, as romarias da água e da terra e o grito dos excluídos, a parada gay e a recente marcha das vadias? Todas são manifestações em favor da vida. Por outro lado, o que têm em comum o Corpus Christi, o desfile de 7 de setembro e a marcha para Cristo? Todos são eventos de massa com o único objetivo de auto-promoção.

O feriado de hoje, como bem se sabe, tem o objetivo de declarar a ICAR como única e verdadeira, “confirmada” por um milagre. Dizem que esta é a prova irrefutável da instituição da Igreja por ninguém menos que o Deus-Filho. Supondo que seja verdade, a verdadeira comemoração de Corpus Christi deveria conter a seguinte reflexão: “Bom, se a hóstia virou verdadeira carne, se o vinho se transformou em verdadeiro sangue, então não está na hora de vivermos o que Cristo ensinou?” Alguém ouve esse tipo de questionamento por aí? Não, o que se houve é: “Irmãs e irmãos, eis a prova irrefutável de que nós somos o povo eleito de Deus”. Quanta honra...

E o que muda, de fato, se houve milagre ou não? Debatendo a Salvação, Tiago defende que esta vem pelas obras (Tg 2,14.18); Paulo, pela fé (Ef 2,8-10); sobre a Igreja, nenhuma palavra. E por quê? Porque ambos morrem judeus, assim como Pedro e o próprio Jesus Cristo. Basta ver que este foi condenado como judeu, enquanto aquele fez seu primeiro milagre na porta do Templo. O que estava fazendo lá? O texto diz que ele e outro discípulo estavam indo lá para orar, isto é, cumprir um preceito judeu (At 3,1-10). Não é curioso que os “fundadores do cristianismo” tenham continuado judeus?

O termo “cristão”, aliás, aparece na Bíblia somente em textos escritos após a década de 70 d.C. E por quê? Estudiosos da Bíblia, como Carlos Mesters, defendem que, até então, admitiam-se judeus nazarenos (apelido dado aos seguidores de Jesus) nas sinagogas. Somente após a destruição de Jerusalém e do Templo é que estes foram expulsos e começaram a se organizar separadamente dos “puros judeus”.

O catolicismo só se organizou, como Igreja, com a hierarquia feudal que mantém até hoje, quando se tornou a religião oficial do império. Isso irrita muito padre e muito bispo, mas é necessário que se diga. A Igreja oficial mantém, hoje, os mesmos moldes e padrões do império romano. Antes de 330 d.C., era considerada uma seita clandestina. Aliás, uma não... várias. Pra começo de conversa, havia cristãos vindos do judaísmo e cristãos vindos do mundo helênico. Dizer que, no início, a Igreja era una é falta de responsabilidade com a História e falta de entendimento do que Cristo veio fazer na terra. Em nenhum trecho evangélico está escrito “eu vim instituir uma só Igreja”. Por outro lado, é frequente lermos: “Eu vim para os doentes”; “Eu vim para que todos tenham vida”; “Vamos às outras margens, pois para isso é que Eu vim” etc. Será que as outras religiões, tendo ou não seus milagres, não seguem os ensinamentos de Cristo?

Alguém poderá me perguntar: você continua católico? Sim, continuo! Por quê? Ora, porque é meu berço, porque me criei dentro dessa religião, porque o problema não é a comunidade, mas a instituição, talvez por um pouco de comodidade... enfim, uma série de fatores. Porém, isso não me impede (pelo contrário: é o que me motiva), justamente por amar a Igreja, mas ainda mais o Cristo, de dizer estas palavras. Enquanto a Igreja Católica Apostólica Romana e todas as outras denominações cristãs continuarem sendo anti-ecumênicas e não entenderem que são servas de Cristo e servas do povo (segundo afirmou o próprio Jesus, no “lava-pés” – Jo 13,14-15), nunca iniciaremos a instauração do Reino de Deus na terra. E, assim sendo, defender as instituições continuará sendo idolatria.

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