quarta-feira, 22 de junho de 2016

AS LIÇÕES DE UM FORASTEIRO E DE D. IRMA

Foi no caminho que ele nos encontrou. Éramos umas trinta e poucas pessoas – homens e mulheres – seguindo viagem, tristes, cansados e com medo. Descíamos de Jerusalém para Emaús, enquanto ele vinha subindo, subindo...
Vendo-nos passar (a)batidos, ele perguntou: “Por que vocês caminham com esse olhar perdido no horizonte?” – Nada de especial; só a neblina. Estamos indo participar de uma escola bíblica. Quer vir conosco, forasteiro? – “Vão indo, que eu já alcanço vocês!” E ele continuou subindo, subindo...
Juntamo-nos ao som do violão e ao calor do chimarrão. Começamos a conversa falando sobre migrantes. Na hora, não nos lembramos do forasteiro. Nem depois, quando o assessor abriu a Bíblia e leu o início do livro que narra os Atos de alguns Apóstolos: “Depois de reunir os Onze, Jesus anunciou a vinda do Espírito Santo, que os tornaria testemunhas do Reino, espalhando a Boa Nova, desde Jerusalém até os extremos da terra. Dito isso, ele foi subindo, subindo...”
Os Apóstolos ficaram olhando para o céu. Nós também estávamos olhando para o céu. Para onde mais devemos conduzir o nosso olhar num curso bíblico? Jesus prometeu que ia voltar. Os Apóstolos ficaram lá esperando. Nós estamos esperando até hoje. Quanta injustiça, quanta roubalheira nesse Congresso, quanta gente necessitada... Quando Jesus voltará? E ele ia subindo, subindo...
Antes mesmo de começar o curso, alguém relatava: viemos do acampamento dos sem-terra, lá nas terras da União. Eles têm ordem de desocupar o local dentro de dez dias. O juiz alega que aquela área é de mata nativa, mas “diz-que” na região só tem pinus. Um lamento daqui, uma palavra de indignação dali, e ele ia subindo, subindo...
Falamos, então, do nascimento de Jesus. Comparamos os anúncios feitos a Maria e a Zacarias. Este, levita. Aquela, embora prometida a um homem (José), ainda solteira. O primeiro em Jerusalém, servindo no Templo. Ela em Nazaré da Galileia, entretida com a lida da casa. Ambos recebem a visita do anjo Gabriel e duvidam da mensagem. Um fica mudo, a outra recebe uma palavra que a acalma. É que o Templo, quando o Evangelho de Lucas foi escrito, já estava destruído. Por isso, não tinha mais o que falar. Maria, por outro lado, estava em casa, num vilarejo nos cafundós da Galileia. Poderia vir algo bom de lá? (Jo 1,46) Porém, é no ventre de uma mulher extremamente pobre (como a maioria em Nazaré) que Jesus se encarna e instaura um novo espaço de culto a Deus: a casa. Conforme ouvíamos essas coisas, uns se empolgavam, outras nem tanto. E ele? Continuava subindo, subindo...
E aconteceu que, quando estavam à mesa, tomando ele o pão, abençoou-o e, tendo-o partido, deu a eles; então, se lhes abriram os olhos, e o reconheceram.” (Lc 24,30-31b) Estávamos terminando de ler o texto de Emaús quando dois homens de branco bateram à porta: “Por que vocês estão olhando pra cima?” – É que vimos Jesus subindo, subindo... – “Mas vocês estão olhando para o lado errado. Venham conosco!” – De repente, eis que estávamos no acampamento. Olhamos para o lado e vimos o forasteiro. Com ele estavam vários estrangeiros, isto é, gente que falava todas as línguas possíveis e imagináveis. Ele nos viu e sorriu. Apontou para uma mulher, D. Irma. Ela estava falando: “Minh’alma glorifica o Senhor porque olhou para nós, os pequenos. Ele eleva os humildes e despacha os ricos de mãos vazias. Mas, para isso, é preciso olhar para Moisés e Elias. Um lembra o Êxodo e a sua Teologia da Libertação. Ele conduziu seu povo para a reforma agrária. O outro é um profeta e, por isso, ensina a Teologia da Resistência. Ocupar e resistir é nossa maneira de lutar, de fazer o governo perceber nossa existência, é o modo como denunciamos a injustiça de um sistema onde uns poucos têm muita terra enquanto muitos não têm nenhuma”. A língua dessa mulher parecia de fogo. Ela falava lá do jeito dela, mas todo mundo entendia. Nossos corações ardiam. Então percebemos quem era o forasteiro, mas ele havia sumido. Naquele momento, os forasteiros éramos nós.
Ao voltarmos, encontramos novamente o forasteiro. Ele disse-nos: “Fui eu quem enviei aqueles homens. Eles levaram vocês a Betânia, que significa Casa dos Pobres. Foi lá que eu nasci. Foi de lá que eu vim parar em Jerusalém. Eu os levei até Betânia para que a transformem em Belém, Bet Lehem, Casa do Pão, uma grande casa comum, onde toda a criação terá o suficiente para viver. Mas atenção! Aprendam da experiência do maná do deserto e do casal Ananias e Safira nas primeiras comunidades que o acúmulo e a ganância criam somente vermes e podridão, isto é, um sistema de morte. Divulguem por aí que a Boa Nova é a partilha. Não ignorem as coisas antigas, mas deem a elas um novo significado, centrado no amor e na justiça. Sem essa novidade, o antigo ficará mudo como Zacarias e estéril como Isabel.”

Ele disse, ainda, outras coisas. Falou com cada um e cada uma em particular. Quando decidimos pular o muro do nosso medo e da incerteza e saltar para o infinito desconhecido, ele sumiu de novo diante dos nossos olhos. Mas, de repente, já não estávamos sós...




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