segunda-feira, 19 de maio de 2014

FUI, VIRAM, VENCEMOS!

“Nunca se ouviu falar de ninguém que tenha
aberto os olhos de alguém que nasceu cego.
Se esse homem não viesse de Deus,
não poderia fazer nada.”
(Jo 9,22-23)

Ao passar Jesus, alguma coisa sempre acontece. O coxo anda, a surda ouve, a muda fala, o cego vê. Há tempos queria falar aos adultos sobre os jovens. Finalmente, veio Chapecó/SC e a oportunidade. Lá, descobri que a sede juvenil de entender a palavra não é menor que o desejo adulto de compreender o fenômeno juventude.

Jesus vê aquele que era cego de nascimento, segundo nos diz João, cap. 9. Parece óbvio. O contrário é que não poderia ser, não é!? O que chama a atenção, porém, é a suspeita de que essa pessoa, habituada a conviver com a cegueira desde o nascimento, não percebia isso como uma deficiência. O mesmo se dava com os participantes, que interpretaram os jovens como sendo o cego do texto, necessitando, portanto, serem “auxiliados” (guiados, na verdade) pelos adultos. Pobres vítimas do adultocentrismo! Programadas e programados, desde o nascimento, para manter o bom e velho sistema patriarcal, comandado não mais pelos chefes de família, mas igualmente dominado por uma elite masculina, branca e poderosa. Que belo susto tomaram quando perceberam como, sem querer, querendo, seu discurso estava impregnado do desejo, não de animar, mas controlar o protagonismo juvenil.

Isso faz deles pessoas ruins? Não, obviamente! Temos a cultura de culpar as vítimas. Ora, essas são cegas desde o nascimento. Quem são os culpados, então? Seus pais? Vítimas, igualmente! Vítimas à espera de manifestação divina, de um sinal dos céus, única esperança que lhes resta, muitas vezes. Gente que não se apega mais à Lei, mas espera na Justiça. Esperança de que os verdadeiros culpados de sua cegueira sejam destronados. Sofrem o peso de uma cultura opressora. Sofrem caladas e calados. São marcados na alma. Reproduzem o discurso, pois é a única coisa que entendem, é o único mundo que conheceram, enfim.

É tanta sujeira! Para ver melhor, a gente precisa se lavar. Mais que isso: é preciso renascer. Do barro viemos; o barro restaura a visão. A vida é recriada. Aperta-se uma tecla; reboot iniciado. Jesus, luz do mundo (faz sentido! Como enxergar no escuro?), faz o lodo, dizendo com isso que precisamos entender qual o sentido da criação. Principalmente, precisamos entender que não somos deusas e deuses; somos criatura. Não temos o poder sobre todas as coisas e, se algo dominamos, é por mera concessão divina. O relato da criação deixa claro que nosso papel é cuidar do jardim. Não somos os donos do campinho. Não somos os donos das nossas filhas e filhos. Da mesma forma, não deveríamos ser propriedade de ninguém. Se isso acontece, algo está errado. É preciso iluminar o caminho. Nada como a água para tirar a sujeira que nos impede de ver.
Não é à toa que a água é a matéria do batismo. Lavar-se, enxergar, é comprometer-se, mudar a postura, mudar de atitude. Isso incomoda quem está à nossa volta: “Você, um adulto, falando mal dos adultos?” Não, não estou falando mal dos adultos; estou falando que o modo como tratamos os jovens é errado. “Mas até outro dia era tu que falava mal deles!” Mas agora vejo as coisas de um modo diferente. “Ora, não me venha pregar moral de cueca!” Mudar incomoda quem está por perto, pois obriga as pessoas a repensarem suas opiniões. Ninguém gosta de ser confrontada, confrontado. Nem todos têm coragem de renascer...

Por que é preciso coragem? Ora, porque o questionamento sempre leva à origem de todos os males: o centro do Poder. Imagine que você tem uma longa caminhada na comunidade. Todo mundo te conhece, conhece teus filhos. Alguém te encontra no trabalho, numa festa, numa rua qualquer e te reconhece como aquela, aquele que toca nas missas de sábado à noite. De repente, vem um cidadão e começa a questionar os hinos da Igreja, que há mais de 20 anos são os mesmos. Como você se sentiria? Bom, o fato é que esse cara tem razão: são sempre as mesmas músicas, desde que você começou a tocar. O que fazer? Seja sincera, seja sincero ao responder. Vou dizer o que acontece normalmente: as pessoas usam o poder que o longo tempo de permanência no posto lhes confere para, mesmo reconhecendo que o outro tem razão, fazer com que toda a comunidade ignore-o. E, se o sujeito insistir, moverá céus e terras para bani-lo do convívio do grupo. Não confiamos no que não podemos controlar. Por isso, não confiamos nos jovens. Por isso, a grande mídia procura desmoralizar quem questiona a autoridade da elite dominante. Não gostamos de ser controlados, mas procuramos controlar o que nos cerca. É nossa cultura! É útil aos governantes, pois nos mantém divididos. Quando alguém percebe isso, e passa a questionar o opressor, corre o risco de ser silenciada, ser silenciado.

Onde buscar coragem para enfrentar os riscos? Nossa mentalidade de adulto manda recorrer à família. A mãe e o pai do cego do texto, com medo dos fariseus, entregaram o filho à própria sorte. Às vezes, a família é a primeira prisão do jovem: “Estuda primeiro, meu filho! Para de ficar sonhando acordado! Não te envolve em política...” Quando ele ou ela demonstra que não cabe na caixinha que seu pai e sua mãe lhe prepararam, fica desamparado: “Quando te falei, não me obedeceu, né!? Agora é por tua conta! Engole esse choro!” Nestas condições, é normal ficar desorientado. Mas é quando precisa de suas asas que normalmente o jovem se supera. Sua ousadia surpreende e desarma o adulto. A reação é instantânea: “Ou tu te molda à estrutura, ou tá fora!” Ser desafiado a voar... e pelas próprias asas! Quantos pais, quantas mães têm medo de ver seus rebentos caírem? Quantos adultos têm medo de não serem mais úteis? Mas tem aquela parcela mal intencionada... Seu medo é que isso – o voo – dê certo! Quem é capaz de voar só para se for abatida, abatido. Aves solitárias voam muito alto para ficar protegidas. Não é o caso dos jovens. Sua natureza é totalmente social, grupal. Eles voam em grupos. Isso lhes dá força, isso lhes dá coragem. Imagino que, enquanto dançava o “guli, guli”, o povo de Chapecó tenha percebido isso. Em vez de querer que sejam águias, fortes mas solitárias, é preciso aprender a voar com os jovens.

Voar em grupo e fora da estrutura... Isso é liberdade! Os fariseus expulsam o que tinha sido cego do Templo. Enquanto o longo debate ocorreu dentro da instituição, onde esteve Jesus? Ninguém o viu! Ninguém o conhecia direito, nem mesmo o curado da cegueira, que o considerava um profeta. Quando é que ele e Jesus voltam a se encontrar? Fora do Templo, fora da estrutura, fora do sistema. É nesse momento que o neovidente o reconhece como o Messias, o Filho do Homem. É como se ele fosse adquirindo a visão aos poucos. Ou seja: Para ver, basta querer! Mas não acontece de uma hora para outra. É processo... Os adultos de Chapecó levaram um final e semana inteirinho para perceber suas limitações. E não vamos dizer que saíram doutores em juventude. Mas uma coisa elas e eles aprenderam: Só vamos enxergar, de fato, quando rompermos definitivamente com esse sistema que está aí. O primeiro passo? Desconstruir nosso discurso impregnado de ideais patriarcalistas. Como? Não esperar que os jovens abracem nosso modelo de comunidade, mas ir ao encontro deles, estar com eles, caminhar com eles, ouvi-los antes de sermos ouvidos.

Quem disser o contrário, estará sendo como os fariseus. Eles se julgavam superiores quando disseram àquele que foi curado: “Tu vives todo em pecado e quer nos ensinar!” Eles perceberam desde o início que só um enviado de Deus poderia curar a cegueira do povo. Mas não podiam colocá-lo num sacrário, não tinham como controlá-lo. Então, apegaram-se à Lei, à proibição de curar no sábado. Ora, Jesus mostra que o sábado foi feito para nos lembrarmos de continuar a obra da criação. Não há outro sentido para o descanso de Deus. Os fariseus bem o sabem, mas assumi-lo é abrir mão do Poder que exercem sobre o povo, condição que lhes é mais sagrada que o próprio sagrado. Por isso, são os piores cegos. Sua postura não é de não saber; é de não querer.
Como adultos, temos duas opções: Ou manter o discurso controlador, ou abrir-se ao diferente, isto é, ao modo como o jovem vê o mundo. O povo de Chapecó disse que estava saindo quebrado do encontro. Alguns disseram que estavam com pulgas atrás da orelha, que saíam do seminário com muito mais pontos de interrogação do que quando entraram. Isso é ótimo: Ver é processo! Pulga coça, incomoda, faz a gente se mexer. Estou num ônibus, quase chegando em minha cidade: São Leopoldo/RS. Tomara que minha passagem por terras catarinenses não tenha sido como a da banda do Chico Buarque, que fez todo mundo se mexer, mas, tendo passado, tudo voltou ao lugar. Tomara que minha passagem por lá seja como a de Jesus: criadora, incômoda, transformadora e um sinal do Reino definitivo. Amém!

Nenhum comentário:

Postar um comentário